Fraude em Pesquisa Científica


José Roberto Goldim


É importante distinguir a fraude na ciência de situações onde ocorreram erros. A fraude se caracteriza por ser um engano deliberado, enquanto que o erro pode ser fruto do acaso. Desde o ponto de vista das consequências geradas por ambas situações, as mesmas se equivalem. Ambas geram informações incorretas que podem ser utilizadas como se fossem adequadas. A fraude é um agravante, devido a sua intencionalidade.

As atividades científicas, assim como todas as demais, não estão imunes a situações desonestas. A fraude pode ocorrer em várias etapas da pesquisa, desde o planejamento, execução até, principlamente, na sua divulgação.

As diferentes formas de fraude em pesquisa envolvem a autoria indevida, a não citação de fontes, a coleta inadequada, o tratamento de dados feito de forma incorreta,

A fraude no tratamento de dados não é praticada apenas nos dias atuais,  já em 1829 o matemático Charles Babbage descreveu três formas básicas de alterar propositadamente os dados de uma pesquisa. As três formas propostas por Babbage são: o ajuste, a adequação e a criação de dados.

Ajustar dados é reduzir irregularidades com o objetivo de aparentar maior precisão que a realmente obtida ao longo do processo de coleta e tratamento dos dados. Isto pode ser feito através de arredondamentos, alteração de escalas ou de unidades utilizadas em gráficos, com o objetivo de ampliar ou reduzir visualmente diferenças. Muito comum é a utilização indevida de escalas logarítmicas com o simples objetivo de mascarar discrepâncias ou de alterar uma tendência. Babbage denominava esta forma de fraude de "aparar os dados".

A adequação dos dados, denominada por Babbage de “cozinhar dados”, consiste na manutenção ou retirada de dados de acordo com a teoria preexistente. Os dados que se adequam a teoria são mantidos e os demais são considerados inadequados e retirados. Isto ocorre quando são retirados os indivíduos considerados “desviantes” tomando-se por base um intervalo de confiança previamente estabelecido ou obtido a partir dos próprios dados coletados.

A criação de dados é outra forma de fraudar uma pesquisa. O pesquisador inclui dados nunca coletados, isto é, forja dados inexistentes. Muitas vezes este processo pode ser realizado de forma mais elaborada, baseando-se em estudos semelhantes ou em alguns poucos casos efetivamente coletados. Com base nestas informações, o pesquisador estabelece um intervalo de variação admissível e cria seus dados aleatoriamente dentro desta faixa de variação.

A utilização indevida de testes estatísticos também pode gerar fraudes. Muitas vezes o pouco conhecimento de estatística ou outras formas de avaliação de dados associadas a facilidade com que os atuais sistemas informatizados dsiponibilizam ao pesquisador podem gerar situações de incorreções, associações indevidas, diferenças inexistentes e, consequantemente, conclusões indevidas. Isto não é fraude, pode ser imperícia ou imprudência por parte do pesquisador. A fraude se configuraria quando deliberadamente um pesquisador, por exemplo, utilizasse um teste estatístico sabidamente inadequado, mas que fornece um resultado que se adequa às suas hipóteses.

Outra forma de fraude em ciência é o plágio de dados ou informações. Considera-se plágio quando uma pesssoa se apropria e utiliza dados ou informações de outro pesquisador sem atribuir-lhe a autoria. O plágio pode ser sutil ou grosseiro. O mais comum é a utilização de materiais já publicados por outros autores sem citar a fonte. Um dos plágios mais condenáveis é o realizado por uma pessoa ao ser revisor de artigos para periódicos científicos. O revisor tem acesso privilegiado aos dados e informações, antes de sua publicação e divulgação para a comunidade científica. Este tipo de acesso já possibilitou inúmeras situações condenáveis de apropriação indevida.

A autoria indevida é uma forma de fraude muito difundida. Muitas vezes pessoas são incluídas como autores sem que tenham tido qualquer participação na pesquisa. É o caso de atribuição de autoria a pessoas influentes, chefias, amigos e alunos ou pesquisadores que estão ingressando em um grupo de pesquisa. A autoria pressupõe responsabilidade intelectual pela pesquisa. Os autores são solidariamente responsáveis pela sua produção científica assumida publicamente através da divulgação de resultados. A autoria indevida ou fraudulenta pode levar a situações extremamente desagradáveis como a de ter que retratar publicações. Desde 1973, foram incluídas 415 retratações na base PUBMED, sendo que cinco referem-se a publicações do ano de 2001.

A fraude na pesquisa em saúde é duplamente condenável. É condenável pela desonestidade científica, que pode levar outros pesquisadores a alterarem seus projetos de pesquisa com base nestas falsas informações. É igualmente condenável pois podem ser transpostas à prática assistencial colocando em risco a vida dos pacientes.

Uma questão fundamental a ser discutida é a que se refere a continuidade do uso destas informações mesmo após terem sido declaradas como sendo falsas. As bases de dados sobre publicações científicas, como a PUBMED, tem informado junto aos dados dos artigos se houve retratação ou outras intercorrências associadas às pesquisas listadas. Mesmo assim, alguns pesquisadores, por não acessarem diretamente os artigos ou as próprias bases de dados, continuam utilizando as citações e referências bibliográficas como se fossem verdadeiras ou confiáveis.


Charles Babbage. Reflections on the Decline of Science in England - 1830 (na realidade escrito em 1829) In: Shrader-Frechette K. Ethics of Scientific Research. Boston: Rowman, 1994:18.
 Lwanga SK, Tye CY. Teaching Health Statistics. Geneva: WHO, 1986:208-209.

Easterbrook P. Maintaining honesty in research: the Darsee affair revisited. Clinical researcher 2001;1(2):22-25.


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Caso Darsee - fraude em pesquisa
Página de Abertura - Bioética
Texto atualizado em 17/01/2002
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