Estudo avalia efeitos de programa de intervenção no controle e na prevenção da obesidade infantil

Classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos maiores problemas de saúde pública atualmente, a obesidade infantil pode gerar diversas consequências. Entre elas estão o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e respiratórias, distúrbios do sono, enxaqueca, depressão, diabetes, colesterol alto e hipertensão. Dados divulgados pela organização apontam que pelo menos 41 milhões de crianças com menos de cinco anos estão acima do peso em todo o mundo, a maioria nos países em desenvolvimento. São 10 milhões a mais do que em 1990, e a projeção é de que em 2025 esse número chegue a 75 milhões.

Segundo a nutricionista e especialista em nutrição clínica pediátrica Milene Pufal, entre as causas da obesidade infantil estão as técnicas de marketing que atraem as crianças a produtos industrializados, o padrão alimentar da família e a falta de atividade física. O avanço da tecnologia também colaborou para o aumento no número de crianças acima do peso, pois os videogames e computadores incentivam a vida sedentária. De acordo com Sibele Prates, também nutricionista, “a atividade física não precisa ser judô ou natação; só pelo ato de sair para brincar com a criança na praça e tirá-la da frente do computador ou do tablet nós já estamos combatendo uma possível obesidade”. Ambas acreditam que a prevenção deve começar já na gestação, pois a forma incorreta de se alimentar da gestante pode causar ao bebê uma predisposição à obesidade.

No Brasil, o problema tem se agravado. Segundo informações do IBGE/2010, uma em cada três crianças está com peso inapropriado para a altura. A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) montou um Mapa da Obesidade, baseado em informações da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008/2009. Esse mapa mostrou que o percentual de excesso de peso em crianças de cinco a nove anos – faixa etária em que o aumento foi mais intenso – no Sudeste, Sul e Centro-Oeste, varia entre 35% e 39%. Já no Norte e Nordeste, de 25% a 28% das crianças apresentam sobrepeso. Relacionando os dados de 1974 a 1975 do Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) com os da POF, na mesma faixa etária, o excesso de peso aumentou de 10,9% para 34,8% nos meninos e de 8,6% para 32% nas meninas.

Consequências da obesidade em crianças e adolescentes
Consequências da obesidade em crianças e adolescentes
Intervenção no ambiente escolar

Ao se deparar com a necessidade de desenvolver estratégias eficazes na prevenção e no controle da obesidade infantil, a pesquisadora Roberta Roggia Friedrich produziu um programa de intervenção com educação nutricional e atividade física no ambiente escolar, chamado TriAtiva: educação, alimentação e atividade física. Em sua tese de doutorado, defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da UFRGS, Roberta mostra que “as crianças são consideradas populações prioritárias para as estratégias de prevenção”, pois, como os hábitos de vida ainda não estão totalmente formados, a facilidade de introduzir mudanças auxilia a protegê-las contra a obesidade e as doenças crônicas no futuro.

A pesquisadora afirma que a escola é o espaço ideal para o desenvolvimento de ações que visam à melhoria das condições de saúde das crianças. Por isso o estudo foi realizado em 12 escolas municipais de Porto Alegre, sendo seis de intervenção e seis de controle. A pesquisa foi feita com alunos do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental. 600 estudantes foram avaliados no total. Não foram considerados nas análises alunos com necessidades especiais, os que não estavam presentes nas duas tentativas da avaliação antropométrica, além dos que, apesar de terem o consentimento da família, escolheram não envolver-se no projeto. Entre os participantes, a média de idade foi de 7,8 anos, sendo 54,2% meninas e 45,8% meninos. A prevalência de obesidade foi de 18,1% no grupo de controle e de 21,3% no grupo de intervenção.

O programa TriAtiva foi implementado nas escolas de intervenção através de práticas educativas que incentivavam a alimentação saudável e a atividade física, com o objetivo de desenvolver a saúde do aluno em um ambiente favorável, envolvendo também a comunidade escolar e familiares. Embora não exista acordo entre pesquisadores sobre quais intervenções são mais adequadas para combater a obesidade, a pesquisa focou em mudanças no estilo de vida, com reeducação alimentar e estímulo à atividade física.

As intervenções foram realizadas pela equipe de estudo, que inclui nutricionistas, educadores físicos e acadêmicos dos cursos de Nutrição e de Educação Física da UFRGS. Todas as ações foram adaptadas para cada ano escolar, por meio de atividades lúdicas e participativas. As atividades ocorreram a cada 15 dias, intercalando programas com atividade física e educação nutricional, no período de aula, totalizando seis meses de atividades educativas.

De acordo com Roberta, a intervenção com a educação nutricional foi baseada na inclusão de atividades com temas sobre alimentação saudável e grupos, origem e forma de produção dos alimentos. A finalidade era incentivar a adoção de uma dieta equilibrada, aumentando o consumo de frutas e verduras, reduzindo o consumo de bebidas e alimentos industrializados altamente calóricos e ampliando a ingestão de água.

Para aumentar a participação dos alunos, foi realizada uma gincana. Os alunos que consumiam a alimentação escolar ou traziam de casa lanches saudáveis recebiam rifas, e o vencedor de cada turma recebeu uma medalha, uma bola de futebol e um certificado de participação.

Já o programa de atividade física foi realizado em um ambiente externo da escola, através de práticas recreativas e esportivas, com o objetivo de melhorar o relacionamento entre os alunos e o trabalho em equipe. Também visou desenvolver a habilidade motora, aeróbica e de coordenação, e a agilidade, além de estimular formas de movimentos expressivos por meio da dança e da música. As crianças ainda foram incentivadas a substituir o tempo em frente à televisão, a computadores e a videogames por atividades mais dinâmicas.

Os pais participaram de reuniões, nas quais foram apresentados o programa de intervenção e os resultados iniciais do estudo. Também participaram de discussões sobre a importância de uma alimentação saudável e da prática regular da atividade física. “Os pais são responsáveis por determinar a oferta de alimentos à família, além de influenciar nas escolhas alimentares de seus filhos”, afirma Roberta. Além disso, os professores foram incentivados a desenvolver atividades com os temas da pesquisa. O seu envolvimento e dos membros da família foi uma tentativa de potencializar as mudanças.

O grupo controle não recebeu nenhum tipo de intervenção pela equipe do programa. Foi mantido seu currículo regular, que incluía a aula de educação física, realizada duas vezes por semana, com período de duração de 50 minutos.

 

Resultados

Diversas medidas são usadas na avaliação do estado nutricional, tais como peso, altura, circunferências e dobras cutâneas. O Índice de Massa Corporal (IMC) é considerado um importante método de diagnóstico para avaliar o excesso de peso em crianças e adolescentes. Apesar de não indicar a composição corporal, a facilidade de medi-la e o grande acervo de dados sobre massa corporal e estatura fundamentam a utilização do IMC com indicador do estado nutricional. O cálculo do IMC é diferente na infância, porque as crianças crescem e os números variam conforme a idade. O resultado deve obedecer a uma tabela específica.

Para calcular os resultados de cada grupo e, posteriormente, compará-los, foram estabelecidas três categorias:

  1. Prevalência: percentual de estudantes acima do peso ou obesos;
  2. Ocorrência de excesso de peso e obesidade: alunos que, no início do estudo, não estavam com excesso de peso ou obesos, mas que se encaixavam nessa classificação no final do estudo;
  3. Remissão: crianças que estavam com excesso de peso ou com obesidade no início do estudo, mas, ao final, não.

Ao fim da intervenção, a quantidade de alunos com excesso de peso diminuiu 6,3% nas escolas de intervenção. Nas escolas controle, houve um aumento de 0,3%. Na ocorrência, não houve mudança significativa. Já na remissão, 21,9% dos alunos das escolas intervenção deixaram de estar com excesso de peso. Nas escolas controle foram apenas 7,3%.

Quanto à obesidade, a prevalência diminuiu de 18% para 16,5% no grupo de controle e de 21,3% para 11,8% no grupo de intervenção. Na ocorrência da obesidade, houve aumento de 1% em ambos os grupos. A remissão foi mais intensa no grupo de intervenção: 53%, contra 14,3% do grupo de controle.

Comparando os resultados dos dois grupos, verificou-se um efeito significativo referente ao peso. Houve, em média, uma redução de 1 kg entre alunos do grupo intervenção comparado ao grupo controle. O mesmo se repete na avaliação do IMC, em que a média de redução foi de 3,36%. Quanto à circunferência da cintura e ao percentual de gordura corporal, não houve mudança significativa.

O resultado desse estudo mostra que o programa TriAtiva: educação, alimentação e atividade física apresentou efeito positivo na remissão da obesidade e do excesso de peso, demonstrando seu potencial como ferramenta de combate à epidemia de obesidade. Segundo Roberta, esse foi o primeiro estudo que incluiu intervenções compostas por educação nutricional e atividade física no ambiente escolar conduzido no Brasil. “A população possui alto risco, ao permanecer obesa na idade adulta, de desenvolver várias complicações, além do grande impacto econômico e social na saúde”, observa. A pesquisadora afirma ainda que o programa pode ajudar no desenvolvimento de intervenções futuras, ampliando as pesquisas e beneficiando mais crianças.

 

Tese

Título: Efeito de um programa de intervenção com educação nutricional e atividade física na prevenção da obesidade em escolares: um estudo controlado randomizado
Autora: Roberta Roggia Friedrich
Orientador: Mário Bernardes Wagner
Unidade: Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente