Não-Consentimento Informado


 

José Roberto Goldim


 

A recusa em participar de projetos de pesquisa tem sido pouco estudada, até mesmo pela dificuldade de obter estas informações sem interferir na vontade do participante que já manifestou o seu desejo em não participar deste estudo. Alguns estudos poucos estudos têm sido feitos nesta área. No PUBMED apenas seis artigos comentavam esta questão. Buscar entender os motivos da não aceitação em participar de um projeto de pesquisa pode permitir melhorar a própria compreensão do processo de consentimento informado.

 

Em um estudo sobre anestesia em parto, foram convidadas a participar 275 parturientes. Dessas, 109 (39,6%) não consentiram. Os motivos alegados para não consentir foram: sentir dor durante o consentimento (65%), medo do desconhecido (64%); medo do efeito do estudo no desfecho da situação (61%); medo pela segurança do bebe (51%); aumento do risco para o bebe (43%); não compreendeu o estudo (34%); sentir-se cobaia (29%); o esposo não queria que participasse (27%); não ter privacidade no trabalho de parto (24%); sentiu-se pressionada para consentir (14%) e não achou importante o estudo (10%).

 

Um outro estudo, realizado na Escócia, sobre atividades na aposentadoria, 54%  da amostra de 887 idosos não consentiu inicialmente na sua participação. Contudo, 61% dos que não haviam consentido previamente, consentiram em participar de um estudo de acompanhamento. As razões alegadas para não consentir no primeiro estudo foram, na sua maioria, em função de confusão sobre a natureza e os objetivos da pesquisa e de dificuldades em participar devido a comprometimentos prévios, O não interesse em participar foi o motivo alegado por 37% desses idosos. Os autores salientaram que a negativa em consentir nem sempre reflete uma negativa em participar do estudo. Muitas vezes existem fatores no processo de consentimento que reduzem a compreensão e conseqüentemente a confiança e o comprometimento.

 

Em um estudo epidemiológico em Taiwan, com 14611 participantes, 1700 (12%) não consentiram. Os fatores associados ao não consentimento foram: ser idoso, não ser alfabetizado, ter renda baixa e morar em área suburbana. Não houve diferenças de sexo ou de estado de saúde entre os grupos que consentiram e não consentiram.

 

Os dados anteriores apresentam algumas importantes questões: a não compreensão é um importante fator para a não aceitação do convite para participar de um projeto de pesquisa. A ambiguidade presente nas informações sobre o risco associado e a vulnerabilidade como forma de redução da relação de confiança também são importantes fatores que emergem destes estudos.

 

Nos nossos estudos uma caraterística que tem chamado a atenção é que a recusa em participar vem sempre acompanhada de alguma explicação no sentido de minorar um potencial prejuízo para a própria pesquisa. A justificativa mais habitual é não ter tempo.

 

Na assistência, a ocorrência de não-consentimento informado é bastante frequênte. Na área assistencial, o não-consentimento pode evidenciar falta de confiança, não entendimento da relação dano-benefício, não compreensão da necessidade e da alternativa que esta sendo apresentada. Pode também refletir uma impossibilidade para o paciente devido a outros fatores, como crenças, desejos ou experiências prévias. Talvez o exemplo mais deafiador  de não-consentimento informado seja o referente a indicação de transfusão de sangue para pacientes Testemunhas de Jeová

 

Ao contrário do que muitas outras legislações, na Islândia a lei de transplantes propõe que a não manifestação em vida sobre a vontade de uma pessoa em doar seus órgãos ou de um de seus parentes após o óbito é considerada como um não-consentimento presumido.

 

Estes poucos estudos evidenciam questões que remetem para a importância do adequado entendimento sobre as relações existentes entre a informação, a compreensão, a voluntariedade e a confiança. A rigor o não-consentimento deve ser tão bem informado quanto o consentimento. Na área de pesquisa o não-consentimento pode ser entendido como uma manifestação da voluntariedade.  As consequências do não-consentimento na área assistencial podem ser bastante sérias.

 


 

Dorantes DM, Tait AR, Naughton NN.Informed Consent for Obstetric Anesthesia Research:Factors that Influence Parturients’ Decisions to Participate. Anesth Analg 2000;91:369–73.

 

Williams B, Irvine L, McGinnis AR, McMurdo MET, Crombie IK. When no might not quite mean no; the importance of informed and meaningful non-consent: results from a survey of individuals refusing participation in a health-related research project. BMC Health Serv Res. 2007 Apr 26;7(1):59.

 

Huang N,  Shih SF, Chang HY, Chou YJ. Record linkage research and informed consent: who consents? BMC Health Services Research 2007, 7:18   

 


Consentimento Informado
Página de Abertura - Bioética

Texto incluído em 30/04/2007 e modificado em 06/05/2007
(c)Goldim/2007