Capítulo 01 - O Atlas

Conhecer para Cuidar

Depois de inspirar a elaboração de obras similares em mais de 60 cidades no Brasil e no mundo, o Atlas Ambiental de Porto Alegre, lançado pela primeira vez em 1998, completa duas décadas de existência. Em 2018, o livro ganha uma versão digital na internet. Hospedada no Centro de Documentação e Acervo Digital da Pesquisa da UFRGS, a obra ficou mais acessível para quem quiser conhecer o ambiente natural da cidade, podendo nortear projetos de educação ambiental, guiar edificações e planificações urbanas, bem como embasar pesquisas científicas.

Elaborada em 1998 a partir de imagens de satélite da NASA, a projeção esférica da Terra mostra a capital gaúcha no centro do mundo. A representação estampa as primeiras páginas do Atlas Ambiental de Porto Alegre por uma razão: lembrar o leitor de que, para aprender sobre o ambiente em que vivemos, devemos começar pelo local em que estamos. Essa é umas das principais mensagens do livro produzido ao longo de quatro anos e nove meses, e que revela a evolução natural da paisagem, dentre muitos fatos científicos.

A obra foi resultado de uma parceria firmada entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com vários institutos capitaneados pelo Instituto de Geociências, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, especialmente por meio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente.

Ciência do lugar

Viabilizado por meio de patrocínios de empresas privadas e verbas da Prefeitura, o mapeamento do ambiente conta uma história natural de 800 milhões de anos, começando pelas rochas mais antigas e passando pela geomorfologia, hidrografia, fauna e flora, até a urbanização de Porto Alegre. O projeto teve início em 1994 e reúne descobertas científicas importantes em diversas áreas do conhecimento, feitas até final do século passado. "Só podemos amar de verdade aquilo que a gente conhece, e o Atlas Ambiental de Porto Alegre é a mais completa narrativa, é o mais completo conjunto de dados que uma cidade pode ter", afirma o coordenador-geral da obra, Rualdo Menegat, professor de geologia da UFRGS. 

Os resultados dos estudos seguem despertando consciências. Na visão do sociólogo Gerson Almeida, que ocupava, na ocasião, o cargo de secretário municipal do Meio Ambiente, os novos conhecimentos gerados pelos cientistas colocaram em destaque a necessidade de protagonismo do cidadão e sua responsabilidade para com o ambiente urbano. Ele cita como exemplos as evidências que apontam para a probabilidade do Guaíba ser um lago  e a necessidade do descarte correto de resíduos, que muitas vezes os moradores não sabem para onde vão e como são deixados na natureza. "No momento em que tu, com o atlas, consegues perceber dinâmicas mais macro, cada um se situa em relação à cidade", observa Almeida.

Durante alguns anos, a prefeitura chegou a fazer do atlas um presente oficial de Porto Alegre, entregue a representantes de entidades, pensadores e políticos em visita à capital gaúcha.  Uma versão reduzida foi elaborada em inglês para traduzir os principais termos e servir de guia para orientar os estrangeiros na leitura. Almeida lembra do encantamento e da surpresa com que as pessoas recebiam a lembrança.

Veja a linha do tempo com momentos marcantes no desenvolvimento do Atlas Ambiental de Porto Alegre:

Não é de se espantar que o atlas tenha inspirado novas iniciativas no Brasil e no mundo, servindo como modelo para projetos semelhantes. Segundo Menegat, pelo menos  60 cidades, entre elas São Leopoldo, Recife, Joinville e São Paulo seguiram o exemplo de Porto Alegre e também criaram seus exemplares. Lá fora, pesquisadores internacionais também replicaram o modelo e foram a campo documentar as riquezas naturais de Buenos Aires, na Argentina; de Lima, Trujillo e Arequipa, no Peru; de Barcelona, na Espanha, entre outros lugares.

Encontro de saberes

O Atlas Ambiental de Porto Alegre, lançado em 1998 e reeditado em 1999 e 2008, contou com a participação de mais de 200 pessoas, entre elas pesquisadores, técnicos, especialistas e artistas. Metade dos quase cinco anos de produção foram dedicados à coleta de dados por meio de expedições terrestres, fluviais e aéreas. Além de Rualdo Menegat, os pesquisadores Clóvis Carlos Carraro, Luis Alberto Dávila Fernandes e Maria Luiza Porto, todos professores na UFRGS, também lideraram equipes e assinam a obra como coordenadores-adjuntos das áreas específicas de seus estudos.

Coordenadores do Atlas Ambiental: Rualdo Menegat (esq.), Luis Alberto Dávila Fernandes e Maria Luiza Porto (centro) e Clóvis Carlos Carraro (dir.).

Responsável pelo conteúdo de biossistemas do atlas, a bióloga e coordenadora-adjunta Maria Luiza Porto explica que o trabalho em campo era guiado, muitas vezes, por imagens de satélite e fotografias aéreas. Na ocasião, Maria Luiza recém havia retornado do pós-doutorado na Alemanha, e era uma das primeiras pesquisadoras no Brasil a ter acesso a softwares de geoprocessamento. O conhecimento em Sistemas de Informação Geográfica (SIG), somado à experiência em cartografia do restante da equipe, possibilitou o cruzamento de dados e a comprovação das explicações sobre a paisagem por meio de evidências científicas.

Integrar informações de diferentes áreas e instituições no mesmo mapa foi justamente um dos principais desafios durante a produção. Antes da sobreposição de dados, era necessário garantir que fossem tecnicamente compatíveis. Coordenador da editoria de geoprocessamento do atlas, Fábio Mohr explica que, no início do projeto, foi preciso converter todos os dados da prefeitura, visto que o município operava com outras tecnologias. Criou-se, dessa forma, uma base unificada de informações geográficas - iniciativa até então inédita em Porto Alegre. "Isso parece fácil, mas as fórmulas e os sistemas das projeções são diferentes. Era preciso trabalhar com esse ajuste para evitar a distorção", explica Mohr, demonstrando que o rigor científico norteou as decisões.

Essa sistematização permitiu enxergar fenômenos distintos no mesmo espaço e, também, viabilizou a criação de uma base de geoprocessamento para ajudar a planejar a cidade. "Não se tinha as informações especializadas, a gente só tinha coordenadas e endereços, mas não tinha, no mapa, uma base para enxergar o limite de Porto Alegre, enxergar o bairro, enxergar as ruas e ver onde estão as atividades", enaltece Mohr, que na época também atuava na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam).

Dos esboços à impressão

Os primeiros mapas do Atlas Ambiental foram esboçados em 1996, marcando o início da fase de edição e editoração gráfica do material. Por essa razão, boa parte das equipes se concentrou em um escritório improvisado em uma espécie de galpão na antiga sede da Smam. “A ideia era garantir um espaço onde todos pudessem não apenas ser atores do atlas, mas autores do atlas. Isso foi muito importante também porque nos permitiu ter uma integração de conteúdos”, relata Menegat.

Três jovens ilustradores foram contratados para elaborar à mão o traçado das ilustrações científicas. O trabalho artístico de Carlos Augusto Gagliardi, Jaqueline Mór e Antônio Ramos era observado de perto pelos cientistas, para garantir precisão na pinturas feitas em aquarela. "Corrigi mais de 120 quilômetros de linhas!", relembra Menegat.

Maria Luiza recorda que as técnicas e os tons das cores selecionadas pretendiam retratar a vegetação com riqueza de detalhes: "Eu levava fotos, nós fazíamos um rascunho de como era a paisagem e eles muitas vezes foram a campo pra ficar muito mais próximos da realidade."

Depois da pintura, as ilustrações foram digitalizadas pela equipe liderada pelo designer gráfico Flávio Wild. Acompanhados pelos organizadores da obra, os profissionais participaram de toda a concepção, do planejamento à composição dos layouts das páginas. Depois, com a ajuda de quatro computadores e uma impressora A3, todo o conteúdo da obra foi reunido em um protótipo. Chegava a hora de ir em busca de patrocinadores para imprimir o atlas.

Ao relembrar o trabalho, Wild conta que, na época, nem todo mundo tinha consciência exata do que o atlas significava. “A gente sabia que era uma obra importante, diferenciada, mas depois, com a repercussão disso, a gente começou a ver o que nós fizemos aqui em Porto Alegre, uma obra que serviu de referência para muitas cidades do mundo", relembra Wild com orgulho. Hoje, 20 anos depois da publicação, o designer gráfico considera que o Atlas Ambiental foi a obra editorial mais importante de sua carreira, pelo ineditismo, pela troca de experiências e pela complexidade dos assuntos tratados.

Os recursos tecnológicos, que hoje comportam facilmente em giga e terabytes, não passavam de poucos megabytes. Isso era um tremendo obstáculo. A capacidade de armazenamento dos disquetes disponíveis nos anos de 1990 tornava a edição demorada. Para produzir as chapas e os fotolitos, por exemplo, todas as imagens precisaram ser substituídas na gráfica por versões em alta resolução. Não havia como transmitir o projeto inteiro do livro de uma só vez, como atualmente é feito pela internet. “É coisa de herói o que a gente conseguiu fazer”, desabafa Wild.

Também não foi tarefa fácil digitalizar as fotos produzidas por um batalhão de 35 profissionais. Na equipe liderada pelo fotógrafo Paulo Backes, muitos cliques foram feitos por estudantes da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande Sul (Fabico), que atuaram na produção, sob orientação de Mário Bitt-Monteiro e do professor Eduardo Tavares. A então diretora da Fabico, Ana Maria Dalla Zen, ressalta que essa experiência norteou a carreira de muitos participantes, fazendo com que alguns seguissem atuando na área ambiental e outros se tornassem professores, passando adiante o que aprenderam em contato com a natureza. “Um aluno que faz um trabalho desses, pela vida afora vai ter uma responsabilidade muito significativa com o desenvolvimento sustentável, com a educação para a preservação do meio ambiente e com a própria preservação do planeta”, observa Ana Maria.

O nascimento da obra

Para a impressão do trabalho foram escolhidos papel italiano de alta qualidade e uma resistente tinta alemã. A impressora foi selecionada a dedo pelo geólogo Rualdo Menegat: uma máquina da marca Heidelberg, que possibilitava o controle das cores em qualquer área da impressão, garantindo a verossimilhança dos degradês das águas aos distintos tons da mata nativa.  

O problema é que existiam poucas máquinas desse tipo no Brasil na década de 1990. Por essa razão, as 256 páginas foram impressas em uma gráfica em São Paulo. O primeiro teste foi feito em dois dias - dias e noites. Menegat dormia na gráfica. “Extraímos o melhor possível, digamos, da indústria brasileira para produzir esse atlas”. O coordenador-geral acredita ser esse o motivo pelo qual até hoje os exemplares se mantêm em boas condições, com poucos desgastes pela passagem do tempo.  

A encadernação também foi manual, com a costura à mão dos exemplares. “Quando planejamos o tamanho do Atlas, planejamos de tal maneira que os mapas de Porto Alegre fossem impressos na escala 1:100.000, resultando no tamanho da página do Atlas”, conta Menegat. As dimensões do livro, portanto, obedeciam a uma questão mais técnica do que estética. O objetivo era garantir precisão, para que profissionais como engenheiros, geólogos, ecólogos, zoólogos ou arquitetos pudessem se basear na obra para constituir seus projetos e entender regiões -- ou, ainda, para que professores pudessem reproduzir as áreas em maquetes em sala de aula.

Dessa forma, depois de quase cinco anos de trabalho, o primeiro exemplar do Atlas Ambiental de Porto Alegre ficou pronto. Chegou a ser pesado: 3 quilos e 200 gramas. “Foi o momento em que a gente declarou: ‘nasceu!’, relata Menegat.

Cada exemplar impresso era acompanhado, ainda, por um CD-ROM. Contendo vídeos da fauna pesquisada e recursos interativos, o material mostrava, ainda, a evolução da paisagem, bem como aspectos da geologia e da flora.

Rumo ao lançamento

O entusiasmo com a impressão  foi acompanhado por um apreensivo desafio logístico. Faltando dois dias para o lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre e com 11 mil exemplares da primeira tiragem já prontos e embalados, os organizadores foram surpreendidos pela decisão de um dos patrocinadores. A Varig, empresa aérea que havia se comprometido em transportar o material de São Paulo para Porto Alegre, cancelou o translado devido a cortes no orçamento. Depois de muita negociação, a empresa concordou em levar dois mil unidades, o suficiente para garantir as vendas durante o lançamento.

E, assim, enquanto as dedicatórias eram escritas para os primeiros leitores na Praça da Alfândega, os demais exemplares eram enviados  a Porto Alegre a bordo de caminhões cujo nome da empresa responsável, escolhida na última hora, não poderia ser outro: Atlas.

Próxima parada: as escolas

Por conta do convênio com a prefeitura, a obra foi direto para estantes de escolas públicas municipais. Dessa forma, em 1999, Menegat e sua equipe iniciaram mais um capítulo importante na história do projeto: uma série de cursos de aperfeiçoamento para auxiliar professores na utilização do Atlas Ambiental em sala de aula. A iniciativa, pouco depois, seria transformada em um projeto para o turno inverso ao da escola. Era a semente do que se tornaria o Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano - o projeto Liau.

Versão digital

Vinte anos depois da publicação da versão impressa, o Atlas Ambiental de Porto Alegre está ainda mais acessível aos leitores, marcando o início de uma nova fase, desta vez na internet. A obra, que até então só podia ser consultada em bibliotecas, ganhou, em 2018, uma versão em alta resolução, disponível no Centro de Documentação e Acervo Digital da Pesquisa da UFRGS.  

A iniciativa foi possível graças à dedicação da professora de ciberjornalismo Luciana Mielniczuk, a Luti, que morreu subitamente aos 48 anos, em março de 2018. As lembranças do entusiasmo da professora em relação ao projeto, pelo valor científico e pelos inúmeros usos possíveis para futuras gerações, contagiaram colegas, orientandos, alunos e ex-alunos - e impulsionaram, mesmo na sua ausência, a produção desta reportagem hipermídia, idealizada por ela, para preservar e contar a história do Atlas Ambiental de Porto Alegre.  

 

Capítulo 02 - Educação

Um laboratório para conectar práticas e saberes

Conhecer o espaço onde vivemos para saber como podemos melhorá-lo é a premissa de uma metodologia educacional que usa o Atlas Ambiental de Porto Alegre como ferramenta de transformação social há 19 anos. A experiência do  Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano (Liau), foi criada a partir de um convênio entre o Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Em 1999, o coordenador-geral do atlas, o professor Rualdo Menegat, abraçou o desafio de desenvolver uma metodologia para instigar os alunos da rede municipal a observarem de forma crítica o seu entorno, as suas comunidades.

A inspiração para a criação do projeto veio com o trabalho da professora Cleonice de Carvalho Silva, que havia desenvolvido na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Judith Macedo de Araújo o “Projeto Construindo Conceitos e Valores a partir do Atlas Ambiental de Porto Alegre”, durante as aulas de Geografia. Cleonice usava o atlas para fazer os alunos pensarem o global a partir do olhar sobre o bairro, ampliando o conhecimento para a cidade nos seus diferentes aspectos. Essa iniciativa motivou a criação do Grupo de Educação Ambiental Amigos do Planeta Verde, que passou a fazer reuniões periódicas para atuar na escola e na comunidade. A iniciativa encorajou a implantação do primeiro Liau,   

Rualdo Menegat lembra que, no início, o Laboratório era um conjunto de materiais, dez painéis resumindo o Atlas e uma sala onde o professor-coordenador do Laboratório poderia reunir os projetos de investigação desenvolvidos com os alunos. A dinâmica previa que, a cada ano, o professor destacasse um tema para as pesquisas de campo. Os estudantes que participavam dos projetos eram alçados, em um momento seguinte, a monitores e assim sucessivamente. Nesse sistema em cascata, os alunos das séries finais não eram simples reprodutores do que está no Atlas, mas passaram a ser protagonistas da produção de conhecimento do mundo. Isso transformou a realidade local, comemora Menegat: “formou-se uma geração de professores com base em uma educação cognitivista, centrada no aluno, altamente intercultural”.

Uma tecnologia social para o ensino ambiental

Ao longo de duas décadas, muitas foram as conquistas no ensino do ambiente natural nas escolas de Porto Alegre. Desde o ano 2000, os Liaus fazem parte da estratégia de educação ambiental da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre. Os cursos de formação para professores ocorrem periodicamente e são ministrados e acompanhados de perto por Menegat. “Há 20 anos estamos repetindo cursos de formação com seminários para uso do atlas em sala de aula. Isso nos possibilitou um segundo grande avanço excepcional na área da educação, ao desenvolver uma tecnologia social para o ensino de meio ambiente nas escolas”, destaca o professor.

Logo, os Liaus  se tornaram uma tecnologia socioeducativa desenvolvida em Porto Alegre, que conta hoje com a parceria da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) e da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS), cujos estudantes atuam junto aos professores, coordenadores e alunos na produção de conhecimento, aproximando o mundo acadêmico da comunidade.

Essa tecnologia educacional, os Liaus, chegou a ser desenvolvida por 32 escolas em Porto Alegre, tendo atendido ao longo desses 19 anos cerca de 50 mil crianças, formado mais de 2,2 mil monitores e preparando 600 professores por meio de cursos e seminários. Nessas escolas, os Liaus dispõem de um espaço físico onde são expostos painéis reproduzidos do Atlas Ambiental, que objetivam relacionar as escalas da paisagem, desde a planetária até a local.

Andréa Ketzer Osorio, em sua dissertação de mestrado, defendida em 2013 no Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRGS, explica que nessas salas os alunos se reúnem e traçam as estratégias de saída a campo e os temas que serão discutidos e como serão abordados. De acordo com Andréa, os alunos monitores, que se encontram com o professor referência entre uma e quatro vezes na semana, são responsáveis por buscar alternativas para socializar o conhecimento adquirido, não somente com outros alunos, mas também com a comunidade e com outras escolas. Para isso, registram as descobertas feitas durante as saídas a campo e procuram ampliá-las e fundamentá-las, para que possam produzir materiais didáticos que serão utilizados para essa socialização do conhecimento.

Dentre esses materiais estão a mapoteca, com mapas temáticos da região da escola (rochas, vegetação natural, áreas de risco) e com a litoteca (amostras de rochas recolhidas durante as saídas de campo), o herbário (onde são identificadas as árvores e plantas existentes no pátio da escola e no entorno), as maquetes localizando a escola, os arroios, a geomorfologia da região, entre outros. De forma criativa, montam peças de teatro, realizam oficinas, produzem material digital, criam trilhas urbanas, promovem mutirões no pátio escolar e na comunidade. Essa tecnologia educacional, segundo o professor Rualdo, “desloca o professor do centro da aprendizagem para uma aprendizagem comum, coletiva sobre o lugar. Quem está no centro é o lugar. E sobre o lugar cada um de nós da comunidade tem muito o que dizer”.

O Liau é um método de ligar práticas com essas experiências dentro do bairro com a escola, vista então como um centro de saberes locais, procurando diminuir a distância entre universidade, comunidade e escola. Descobrir o lugar não deve ser exclusividade da escola, enquanto espaço único e exclusivo da produção de conhecimento, numa via de mão única. No Liau, essa descoberta é fruto da interação de toda a comunidade escolar.

Veja também a atuação do Liau na Escola Municipal de Ensino Fundamental Gilberto Jorge Gonçalves Silva, zona sul de Porto Alegre.

Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Presidente Vargas, o Liau contibuiu para a construção de uma nova percepção do território.

Capítulo 03 - Digital

Conexão digital

A qualidade da impressão do Atlas Ambiental de Porto Alegre em papel couché italiano e tinta alemã, na década de 1990, é o que vem garantindo a conservação do material ao longo dos últimos 20 anos. Mas são as máquinas e as tecnologias disponíveis hoje que permitiram a reprodução da obra em seus mínimos detalhes. O objetivo, neste primeiro momento, é disponibilizar o livro na internet, utilizando técnicas de preservação digital. A partir de agora, o material fica disponível na internet, por meio do Centro de Documentação e Acervo Digital da Pesquisa da UFRGS.

À direita, prof. Rualdo Menegat vê pela primeira vez os detalhes das páginas digitalizadas do Atlas. Ao centro, Prof. Rene Faustino Gabriel Junior mostra a precisão do equipamento utilizado.

Da mesma forma com que a impressora Heidelberg ajudou os pesquisadores a manterem o rigor científico quando o atlas foi impresso, a equipe responsável pela versão digital em 2018 também se valeu de metodologias e equipamentos de ponta: um scanner para digitalização de mapas e um computador de última geração para processamento de imagem, representação, acesso e preservação de obras raras. Dessa forma, foi possível controlar características como resolução, formato, profundidade e quantidade de pontos.  

Desta vez, o trabalho foi centralizado na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande Sul (Fabico) e coordenado pelo Centro de Documentação e Acervo Digital da Pesquisa da UFRGS (Cedap). Através de um projeto de extensão, foram selecionados dois bolsistas de graduação, acompanhados por professores dos cursos de Biblioteconomia e Arquivologia.

A UFRGS também estabeleceu um convênio com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) para contar a história do Atlas Ambiental através de uma reportagem hipermídia, produzida por alunos e ex-alunos da FABICO, para marcar os 20 anos da obra.   

Liguem as máquinas!  

O projeto de digitalização do Atlas teve início em 2017 e durou cerca de um ano. Segundo o professor Rene Faustino Gabriel Junior, responsável parte técnica no trabalho no Cedap, o produto físico foi escaneado a partir da versão utilizada na gráfica em 1998: em folhas grandes, com quatro páginas cada uma -- o original preservado nos arquivos do coordenador-geral da obra, Rualdo Menegat. Assim, foram criadas as matrizes, e cada página em papel foi convertida em arquivo digital.

Experiente e acostumada a trabalhar com obras raras, a equipe do Cedap, porém, nunca havia escaneado um atlas. Por essa razão, no início do projeto, alunos e professores fizeram diversos testes para estudar a melhor forma de representar, dar acesso e preservar a obra. O escaneamento das páginas, a seguir, foi rápido: durou apenas duas semanas.

A fase mais demorada foi a finalização – organização, indexação e tratamento do material. Um dos desafios enfrentados pelos pesquisadores tem a ver com o tamanho dos arquivos, cujas matrizes chegaram a 70 megabytes. Assim, foi preciso desenvolver um visualizador capaz de permitir a navegação através de arquivos menores, no formato jpg. A medida visa a agilidade, para que o leitor, ao clicar em capítulos e seções, encontre os assuntos de seu interesse de forma rápida.  

Conforme o diretor do Cedap e coordenador do projeto de extensão do atlas digital, Rafael Port da Rocha, o material “continua sendo um atlas”, pois ainda é uma reprodução do impresso. Mas a ideia, ele defende, é conseguir criar, a partir de agora, recursos interativos para que as informações sejam atualizadas e para que seja possível transportar o usuário para dentro de uma experiência. “É um ambiente para o usuário navegar não num arquivo com imagens, mas num atlas, que tem sumário, índice remissivo etc.”, explica Rocha. Para o coordenador do Cedap, a nova versão pode ser considerada uma metáfora do atlas físico, na fronteira entre um livro digitalizado e um projeto multimídia.

O diferencial é que a versão on-line foi devidamente criada a partir de técnicas de preservação digital de acervos raros, providas pela tecnologia da informação. Assim, a obra, que fez história quando lançada, tem todo potencial para iniciar uma nova fase com recursos virtuais: “O atlas não é mais uma coisa estática”, define o professor Rene Faustino Gabriel Junior.

Além de tornar a obra acessível ao público, especialmente para o uso em escolas e no ensino em geral, a versão na internet abre caminho para uma série de outros estudos, a fim de descobrir novas linguagens para representar a riqueza gráfica de um atlas, com a qualidade do papel em um ambiente digital. “Há recursos 3D, multimídia, som, imagem, mas no papel há plasticidade, perspectiva, que se perdem no processo”, afirma Rocha. Eis o desafio.

Capítulo 04 - Ciência

Reverberações científicas

A coleta de dados para a produção do Atlas Ambiental de Porto Alegre permitiu que os pesquisadores tivessem acesso a documentos inéditos, nunca antes publicados no Brasil. É o caso das primeiras representações cartográficas da região, encontradas pelos pesquisadores nas gavetas da mapoteca do Palácio Itamaraty, em Brasília. Da mesma forma, o atlas também foi um dos primeiros livros a publicar um mosaico formado por imagens de satélite obtidas à noite pela NASA. Em 1998, a figura era publicada simultaneamente pela revista National Geographic e pela obra editada na capital gaúcha.

A obtenção de imagens exclusivas foi possível graças ao convênio firmado com o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da vasta experiência do professor Clóvis Carlos Carraro, autor de uma carta-imagem digital de Porto Alegre e um dos coordenadores-adjuntos do atlas. Entre os mapas temáticos que se destacam no trabalho está o da ocupação urbana de Porto Alegre elaborado pelo professor Carraro a partir do uso exclusivo de imagens de satélite, aponta o coordenador da equipe de geoprocessamento e arte-final, Fábio Mohr.

Reprodução da página 102 do Atlas com mapas e gráficos sobre a cidade de Porto Alegre.

Mohr enaltece, ainda, que boa parte dos mapas temáticos foi feita com dados inéditos, produzidos pelos pesquisadores especialmente para o atlas. Entre eles, está o mapa geológico de Porto Alegre, um dos primeiros a serem feitos e que serviu de base para praticamente todas as sobreposições do livro. É o caso do levantamento feito pela coordenadora-adjunta Maria Luiza Porto. “Em cima da carta-imagem e fotografias aéreas, eu consegui fazer o mapa da vegetação natural de Porto Alegre com a sobreposição de informações da geologia e geomorfologia”, explica Maria Luiza. A partir desses achados, vistos de cima, seus alunos iam a campo confirmar quais organismos representavam cada área.  

Havia também os temas específicos trabalhados pelos próprios estudantes em suas próprias dissertações, teses e grupos de pesquisa. Parte do capítulo de unidade de conservação foi resultado das pesquisas de Fábio Mohr durante o mestrado, um levantamento da vegetação encontrada no Morro Santana.

Esses são apenas alguns exemplos das repercussões provocadas pelo Atlas Ambiental. Do ponto de vista científico, esses achados e essas descobertas se tornaram base para estudos de diversas áreas áreas, com impactos até os dias de hoje - tanto na atualização dos dados quanto para a formação de novos cientistas.

Uma base para avanços

O Atlas Ambiental de Porto Alegre foi uma das fontes consultadas pelo engenheiro ambiental Leonardo Capeleto de Andrade na elaboração da tese Impactos do ambiente urbano na poluição dos sedimentos do lago Guaíba, defendida em 2018 no Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O material foi acessado por meio da Biblioteca do curso de Agronomia e, segundo Andrade, foi importante porque apresenta informações organizadas e consolidadas sobre o Lago Guaíba. Dessa forma, o pesquisador analisou características do lago e da área onde está inserido. “A importância de publicações como o atlas se dá principalmente pela consolidação de conhecimentos técnicos e ambientais”, ressalta.

No doutorado, Andrade pesquisou a interferência da área urbana sobre a poluição dos sedimentos do Lago Guaíba. Concluiu, por exemplo, que a poluição fica mais evidente próximo da margem de Porto Alegre e da foz dos arroios Dilúvio, Cavalhada e Salso, e é difícil de ser controlada por conta das fontes de poluição que perpassam diversas cidades.

Em se tratando de avanços na Ciência, Andrade entende que materiais como o atlas permitem mais agilidade no ponto de partida das pesquisas, já que conta com informações sistematizadas sobre dados básicos, definições e classificações. Além disso, avalia que a publicação em formato de livro serve também para compilar evidências científicas que, por vezes, acabam fragmentadas em textos mais curtas, como artigos acadêmicos.

O engenheiro ambiental e doutor em Ciência do Solo também enxerga o atlas como uma publicação que promove a divulgação científica, fazendo com que as discussões não fiquem restritas à universidade, mas também se tornem de conhecimento público na sociedade. Uma das formas que Andrade encontrou para divulgar suas produções envolvendo o lago é a página de Facebook intitulada Guaíba Ambiental, em que propaga artigos e levanta discussões relacionadas. Em tempos de efemeridade, busca formas de adaptar a linguagem científica ao universo dos compartilhamentos em rede social.

Capítulo 05 - Como ler

Itinerário de leitura do Atlas

O Atlas Ambiental de Porto Alegre apresenta a história natural do município desde sua formação, há 800 milhões de anos (idade das rochas mais antigas), até o momento de sua publicação, em 1998. As versões impressa e a digitalizada se encontram neste site.

Duas décadas separam a publicação em papel  e esta reportagem hipermídia. A intenção é promover um reencontro entre passado e presente por meio do resgate histórico da elaboração e publicação do material, bem como seu aproveitamento em projetos sociais e na pesquisa científica.

Fonte permanente de conhecimento, a obra pode ser lida de múltiplas formas. A versão impressa tem um formato linear de leitura, com seções e capítulos delimitados e a seguir detalhados. A versão digital, materializada neste site, tem seções pré-definidas e ao mesmo tempo independentes e interconectadas, permitindo que o usuário siga sua própria lógica  de leitura.

Verssão Impressa

O Atlas Ambiental de Porto Alegre é uma publicação que reúne informações sobre a relação entre  os sistemas natural e construído do município. Resultado de quase cinco anos de trabalho e envolvimento em pesquisas interdisciplinares, a versão impressa está dividida em três grandes seções. São elas:

- O Sistema Natural, com resultados de pesquisas sobre a geologia, a geomorfologia, a hidrografia, o solo, a vegetação, a fauna e o clima de Porto Alegre.

Apresenta os seguintes capítulos:

  1. Porto Alegre antes do homem: evolução geológica
  2. As formas da superfície: síntese do Rio Grande do Sul
  3. Lagos, rios e arroios: as doces águas da superfície
  4. Solos: a fina camada que sustenta a vida
  5. As formações vegetais: evolução e dinâmica da conquista
  6. Biótopos naturais: a diversidade da fauna
  7. Elementos do clima: o contraste de tempos frios e quentes
  8. Unidades de conservação ambiental

- O Sistema Construído, com informações sobre a evolução urbana, as áreas verdes e o clima da cidade. Também aborda o impacto na atmosfera, na água, no solo e no conforto urbano, além da anatomia dos serviços de drenagem urbana, de tratamento de água, esgotamento sanitário e gerenciamento de resíduos sólidos.

Apresenta os seguintes capítulos:

  1. Evolução urbana: dos arraiais à metrópole
  2. A organização urbana
  3. A evolução das áreas verdes: dos largos às praças e parques arborizados
  4. Cidade das árvores: arborização urbana
  5. Clima urbano: ilhas de calor e ventos fortes na selva de pedra
  6. Atividades impactantes do sistema urbano
  7. Serviços de saneamento

- A Gestão Ambiental, com conteúdo sobre a estrutura e o gerenciamento ambiental dentro dos contextos local, regional e mundial.

Apresenta os seguintes capítulos:

  1. A busca do desenvolvimento sustentável em ambientes urbanos
  2. A gestão ambiental pública em Porto Alegre
  3. Porto Alegre em dados

As duas primeiras seções contextualizadas em formato de linha do tempo e escalas do espaço. Além disso, ensaios disponibilizados junto aos textos científicos auxiliam os leitores no processo de contextualização do cenário. Fotografias e infográficos complementam o material produzido em texto.

Versão Digital

Propondo uma narrativa estruturada em seis seções, porém não linear, este site contempla as seguintes abordagens:

  1. O atlas, com informações sobre os bastidores da produção e publicação do material e linha do tempo
  2. A digitalização, com a disponibilização da versão completa do atlas
  3. Como ler o atlas, em que o leitor encontra um apanhado sobre o conteúdo
  4. Educação, com informações sobre os projetos educacionais desenvolvidos a partir do atlas
  5. Ciência, com textos que revelam a importância da publicação para pesquisas e os avanços na área
  6. Expediente, com a relação dos envolvidos no projeto

Expediente

Pessoas e instituições que apoiam o projeto

Projeto Atlas Digital

Coordenação
Luciana Mielniczuk - In memoriam
Ilza Tourinho Girardi
Marcelo Träsel
Rafael Port da Rocha
Rene F. Gabriel Junior
Rualdo Menegat

Redação e edição de textos
Alciane Baccin
Fabiana Rossi Freitas
Fernanda Pólo
Giulia Secco
Marília Gehrke
Marlise Brenol
Vanessa Kannenberg
Vivian Eichler

Fotos
Anelise De Carli

Imagens
Bárbara Kvitko Borges
Gabriel Ethur
Fernanda Acosta
Willian Ansolin
Paulo Carneiro

Infográficos
Gabriel Hoewell

Site
Lucas Durr Missau

CEDAP - bolsistas
Cristian Mandicaju

 

Apoio
Emater
Rede Multivídeos/UFRGS
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) 
Grupo de Pesquisa Jornalismo Digital (JorDi/UFRGS)
Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental - CNPq/UFRGS
Caixola Fabico
Laboratório de Experimentação em Jornalismo (Lex/UFSM)

Realização
Instituto de Geociências 
Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico/UFRGS) 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)