O que é e como tratar a notalgia parestésica?

A notalgia parestésica (NP) é uma neuropatia sensitiva que se caracteriza por prurido intenso, localizado no dorso superior, principalmente nas bordas da escápula [1,2]. Além do prurido, alguns pacientes ainda podem apresentar dor, ardência e parestesia no local [1,2,3,4]. Acomete mais mulheres entre 50 e 60 anos, tem curso prolongado, com vários meses ou anos de evolução [5,2]. No local dos sintomas relatados é possível encontrar uma mancha ou placa hiperpigmentada, por vezes liquenificada, secundária ao ato repetitivo de coçar/friccionar (hiperpigmentação pós-inflamatória) [1,3,5], demonstradas nas figuras 1 e 2. A maioria dos casos é unilateral, embora existam também casos com comprometimento bilateral [6,7,8], como mostra a figura 3. Apesar de muito característica, a alteração cutânea não está sempre presente, podendo haver apenas a sintomatologia típica, mas sem nenhuma lesão visível  [5].

Figura 1. Placa hiperpigmentada, liquenificada, na região escapular direita.

Fonte: Pruritus:Fazio SB, Yosipovitch G (2021) [8].

Figura 2. Placa hiperpigmentada no dorso de uma paciente com notalgia parestésica.


Fonte: Howard M, Sahhar L, Andrews F, Bergman R,  Gin D (2017) [5].

Figura 3. Hiperpigmentação bilateral em homem de 59 anos com notalgia parestésica. 


Fonte: Šitum M, Kolić M, Franceschi, Pećina M (2018) [9].

De etiologia incerta, acredita-se que a NP represente uma neuropatia de algum ramo cutâneo sensitivo de raiz nervosa dorsal localizada entre T2-T6, seja por compressão pelo músculo paraespinhal ou por alterações osteoarticulares degenerativas da coluna [1,2,5,9]. Exames de imagem não são necessários para o diagnóstico da NP, exceto se houver outros sintomas neurológicos sugestivos de outras condições clínicas que justifiquem investigação adicional [2]. Em raros casos, pode estar associada à síndrome endócrina múltipla tipo 2A, principalmente nos casos iniciados na infância e adolescência [1,9]. O diagnóstico normalmente é clínico, mas de difícil manejo (ver fluxograma 1). Por se tratar de uma neuropatia, as terapias convencionais antipruriginosas, como anti-histamínicos e corticosteróides tópicos, não costumam ser eficazes [5,6,7].  

Fisioterapia/Osteopatia:

Ajudam a aliviar a compressão/distensão do nervo ocasionada por contratura muscular ou alteração da coluna vertebral, principalmente se houver patologia osteomuscular associada. Além disso, podem ser orientados exercícios diários de alongamento e de reforço da musculatura dorsal (Quadro 1) [5]. Diferentemente da terapia farmacológica, a fisioterapia parece apresentar resultados mais duradouros [7]. Uma boa opção é associar essas modalidades de tratamento físico à terapia farmacológica [5,10].

Tratamento tópico:

Em conjunto com a fisioterapia e os exercícios, o tratamento tópico é considerado a 1ª linha terapêutica devido ao baixo índice de efeitos colaterais. 

  • Capsaicina 0,025% a 0,3%: comercialmente estão disponíveis as apresentações de 0,025% e 0,075% creme e loção [11], com possibilidade de manipulação das demais concentrações. O produto é aplicado no local, 3 a 6x/dia, por pelo menos 4 a 6 semanas [1,12,13]. Por exemplo:
    • Capsaicina 0,025% 4x/dia, por 6 semanas [13] ou;
    • Capsaicina 0,025% 5x/dia, por 7 dias e posteriormente 3x/dia, por mais 3 semanas [12].

Lavar as mãos logo após a aplicação para prevenir o contato com os olhos e outras mucosas. Pode haver sensação de pinicação/queimação nos primeiros 30 minutos após a aplicação, os quais tendem a melhorar dentro de 2 a 3 semanas (1,2). Se o desconforto for importante, pode-se utilizar lidocaína 2,5% + prilocaína 2,5% creme (disponível comercialmente) 30 a 60 minutos antes da aplicação da capsaicina (9).  Apesar de uma parte dos pacientes demonstrar melhora sustentada após a suspensão do medicamento, outros necessitam de terapia continuada para manutenção dos benefícios [12,13]. 

  • Tacrolimo 0,1% pomada: utilizada  2x/dia por 6 semanas. Não há descrição de efeitos colaterais, mas há retorno dos sintomas logo após a suspensão [14]. Ainda são necessários mais estudos para comprovar sua eficácia.
  • Lidocaína 2,5% + prilocaína 2,5% creme: pode ser utilizado isoladamente ou em associação com a capsaicina para reduzir seus efeitos adversos. Seu uso tópico isolado, 2x/dia, sob oclusão, associa-se à redução do prurido e não há descrição de efeito adverso. Contudo, há recidiva dos sintomas após a suspensão [15].

Tratamento oral: 

Deve ser reservado para aqueles que não respondem ao tratamento tópico ou que não conseguem tolerar a capsaicina. As evidências sobre o benefício dessa terapêutica são derivadas de séries de casos e de um pequeno ensaio clínico não randomizado. 

  • Gabapentina: utilizada na dose de 300 a 600 mg, à noite, por 4 semanas [16, 17,18].  
  • Oxcarbamazepina: utilizada na dose de 300 a 600 mg, 2x/dia, por 6 meses [19]
  • Amitriptilina:  10 mg, à noite [20]. 

Não existem estudos sobre o uso desses medicamentos por períodos mais prolongados e nem sobre a taxa de recidiva após sua suspensão. Deve-se, portanto, avaliar a duração do tratamento de acordo com a resposta apresentada, grau de desconforto ou prejuízo decorrente da condição clínica, presença de efeitos adversos e custo do medicamento [5,7,9,16,17]. 

Outras modalidades terapêuticas: 

Os estudos realizados até o momento apresentaram resultados contraditórios, deixando  dúvidas em relação a custo-efetividade dessas opções [5,7].

  • Neuroestimulação elétrica transcutânea (TENS);
  • Toxina botulínica;
  • Fototerapia UVB de banda estreita.

Quadro 1 – Alongamentos e outros exercícios para serem realizados três vezes ao dia.

Exercício Descrição Repetições / séries
Alongamento paravertebral torácico Sentar em uma cadeira com os quadris estabilizados (pés apoiados no chão).
Cruzar os antebraços encostando a mão de um no cotovelo do outro.
Girar o tronco para frente lentamente até sentir a musculatura paravertebral superior alongar.
Manter a posição por 15 segundos.
2 séries de 5 repetições.
Elevação de ombros Com os braços ao lado do corpo.
a) elevar os ombros o máximo que puder e girá-los para frente.
b) elevar os ombros o máximo que puder e girá-los para trás
2 séries de 10 repetições para frente.
2 séries de 10 repetições para trás.
Rotação de ombros Membros superiores estendidos com as mãos acima da cabeça. Manter os cotovelos estendidos.
a) fazer movimentos circulares do braço para frente passando os braços estendidos pelo tronco a cada volta, completando 360º
b) fazer movimentos circulares do braço para trás passando os braços estendidos pelo tronco a cada volta, completando 360º
2 séries de 10 repetições para frente.
2 séries de 10 repetições para trás.
Alongamento posterior dos ombros De pé ou sentado, com os pés bem apoiados. Segurar um braço contra o corpo usando a mão contrária. Girar o corpo para o lado do braço que está sendo trabalhado, até sentir alongar. Manter o alongamento por 10 segundos. Repetir três vezes de cada lado.
Massagem torácica paravertebral Realizar massagens 1x/semana. Usar os polegares para massagear os músculos paravertebrais de ambos os lados. Massagear por 5 minutos ao longo de todo o percurso da musculatura paravertebral.

Fonte: Zagarella S, Kapila S, Fallahi (2016) [10]. 

Fluxograma 1 – Tratamento da Notalgia Parestésica.

Fonte: TelessaúdeRS-UFRGS (2021) adaptado de Ansari A, Weinstein D, Sami N (2019) [7].

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Referências:

  1. Bolognia J, Jorizzo J, Rapini RP. Dermatology. 4th ed. Elsevier; 2018.
  2. Ellis C. Notalgia paresthetica: the unreachable itch. Dermatology practical & conceptual 2013;3(1). Doi 10.5826/dpc.0301a02.
  3. Azulay RD,  Azulay DR, a Azulay-Abulafia L.  Dermatologia I – 6. ed.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015. 
  4. Champion RH, Burton JL, Burns DA, et al. Rook’s textbook of dermatology. 9. ed. Wiley-Blackwell; 2016
  5. Howard M, Sahhar L, Andrews F, Bergman R,  Gin D. Notalgia paresthetica: a review for dermatologists. International Journal of Dermatology 2017 Dez;57(4), 388-392. Doi 10.1111/ijd.13853
  6. Wolverton SE, WuJ. Comprehensive Dermatologic Drug Therapy. Irvine: Elsevier; 2019.
  7. Ansari A, Weinstein D, Sami N. Notalgia Paresthetica: Treatment Review and Algorithmic Approach. Journal of Dermatological Treatment 2019;31(4): 424-432. Doi 10.1080/09546634.2019.1603360.
  8. Fazio SB, Yosipovitch G. Pruritus: Etiology and patient evaluation  [Internet]. Waltham (MA): UpToDate; [atualizado em 22 Jan 2021, citado em 23 Abr 2021]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/pruritus-etiology-and-patient-evaluation.
  9. Šitum M, Kolić M, Franceschi, Pećina M. Notalgia paresthetica. Acta Clinica Croatica 2018 Dez;57(4): 721-725. Doi 10.20471%2Facc.2018.57.04.14
  10. Zagarella S, Kapila S, Fallahi A. Notalgia paraesthetica: a pilot study of treatment with simple exercises and stretches. Australasian Journal of Dermatology 2016;57(3): 222-224. Doi 10.1111/ajd.12412.
  11. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Consultas. Bulário eletrônico. Brasília, DF; [2021?, citado em 23 Mar 2021]. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/.
  12. Wallengren J, Klinker M. Successful treatment of notalgia paresthetica with topical capsaicin: vehicle-controlled, double-blid, crossover study. Journal of the American Academy of Dermatology 1995;32(2): 287-289. Doi 10.1016/0190-9622(95)90152-3.
  13. Leibsohn E. Treatment of notalgia paresthetica with capsaicin. Cutis. 1992;49(5):335-6. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1521492/.
  14. Ochi H, Tan LX, Tey HL. Notalgia paresthetica: treatment with topical tacrolimus. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2016;30(3):452-4. Doi 10.1111/jdv.12830.
  15. Layton AM, Cotterill JA. Notalgia paraesthetica–report of three cases and their treatment. Clin Exp Dermatol. 1991;16(3):197-8. Doi 10.1111/j.1365-2230.1991.tb00345.x.
  16. Maciel AAW, Cunha PR, Laraia IO. Efficacy of gabapentin in the improvement of pruritus and quality of life of patients with notalgia paresthetica. Anais brasileiros de dermatologia 2014;89(4): 570-575. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962014000400570.
  17. Shin J, Kim YC. “Neuropathic itch of the back: a case of notalgia paresthetica.” Annals of dermatology 2014 Jun.;26(3): 392-4. Doi 10.5021%2Fad.2014.26.3.392.
  18. Loosemore MP, Bordeaux JS, Bernhard JD. Gabapentin treatment for notalgia paresthetica, a common isolated peripheral sensory neuropathy. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2007;21(10):1440-1. Doi 10.1111/j.1468-3083.2007.02256.x.
  19. Savk E, Bolukbasi O, Akyol A, Karaman G. Open pilot study on oxcarbazepine for the treatment of notalgia paresthetica. J Am Acad Dermatol. 2001;45(4):630-2. Doi 10.1067/mjd.2001.116228.
  20. Yeo B, Tey HL. Effective treatment of notalgia paresthetica with amitriptyline. J Dermatol. 2013;40(6):505-6. Doi 10.1111/1346-8138.12154
  21. Fazio SB, Yosipovitch G. Pruritus: Overview of management. [Internet]. Waltham (MA): UpToDate; [atualizado em 15 Jan 2021, citado em 23 Abr 2021]. Disponível em:  https://www.uptodate.com/contents/pruritus-overview-of-management.
  22. Ellis C. Notalgia paresthetica: the unreachable itch. Dermatol Pract Concept. 2013;3(1):3-6. Doi 10.5826/dpc.0301a02.

Como citar o documento:

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia. TelessaúdeRS (TelessaúdeRS-UFRGS). O que é e como tratar a notalgia parestésica? Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS; 26 Abr 2021 [citado em dia, mês abreviado e ano]. Disponível em: https://www.ufrgs.br/telessauders/perguntas/o-que-e-e-como-tratar-notalgia-parestesica/

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