A Enfermagem e os desafios da UTI na pandemia

Artigo | Amália Lucena, Marina Buffon, Isis Severo e Karina Azzolin refletem sobre a complexidade dos cuidados intensivos exigidos pela covid-19

*Por: Amália Lucena, Marina Buffon, Isis Severo e Karina Azzolin
*Foto de capa: Flávio Dutra/Arquivo JU jun. 2020

A Nursing Now é uma campanha global lançada em 2018 para acontecer até o ano de 2020 com a colaboração da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Conselho Internacional de Enfermeiros. Tem como meta elevar o perfil e o reconhecimento da Enfermagem, de modo a assumir sua posição central nos desafios da saúde do século 21.

O que não se sabia até o dia 11 de Março de 2020 é que dentre tantos desafios encarados pela Enfermagem mundial estaria a pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). A sua rápida disseminação geográfica global e a gravidade com que afetou a população impuseram a busca por medidas e ações ainda a serem exploradas pelo mundo científico.

Dentre as cinco grandes áreas da campanha Nursing Now, estão: garantia de que a Enfermagem tenha voz proeminente na formulação de políticas de saúde; investimento na força de trabalho; recrutamento para cargos de liderança; incentivo à pesquisa que demonstre o impacto da Enfermagem; e compartilhamento de melhores práticas. Essas vertentes não poderiam estar mais vinculadas ao momento atual, o que deixa muito claras a importância da profissão e a necessidade do reconhecimento do seu protagonismo no cuidado às pessoas.

Na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) há um esforço para que essas áreas citadas como pilares da campanha sigam fortes e alinhadas às necessidades impostas pela pandemia da covid-19. Seguimos formando profissionais para atuar na linha de frente do cuidado aos pacientes, inclusive os afetados pela pandemia atual. Alguns desses profissionais, em cargos de liderança, buscam as melhores estratégias para a organização do cuidado de todos os que ficam sob a sua responsabilidade nas 24 horas do dia.

No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), referência no estado para atender pacientes suspeitos e com covid-19, foram abertos em torno de 100 leitos de Unidade de Terapia Intensiva em um período inferior a três meses, demandando da Enfermagem um esforço supremo no gerenciamento do preparo do espaço físico, na montagem de equipamentos e, principalmente, no recrutamento e na capacitação de mais de 500 novos profissionais de Enfermagem para atender à demanda que não parava de chegar. Em paralelo, pesquisas começaram a ser desenvolvidas na busca do entendimento da pandemia. Quem eram os mais vulneráveis, quais os sinais e sintomas, como evoluía essa doença e, especialmente, como a Enfermagem poderia qualificar sua assistência em conjunto com a equipe multiprofissional e, assim, evitar o pior dos desfechos (o óbito) eram constantes interrogações no cotidiano de trabalho.

No início da pandemia, a covid-19, ainda desconhecida – e sem tratamento específico até hoje –, demandou cuidados de suporte à vida que são base da assistência às pessoas afetadas pela doença. A vacina era uma possibilidade muito remota quando os primeiros pacientes internaram na UTI do HCPA em março do ano passado. Nessa unidade, além de se assistirem pacientes extremamente graves que demandam cuidados e tecnologias complexas, também se realiza a formação de recursos humanos altamente capacitados pela Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (RIMS), a qual se dá por meio do ensino em serviço, o que também permite o desenvolvimento de estudos de impacto à prática da Enfermagem.

Durante a pandemia, uma das autoras, Marina Raffin Buffon, quando residente de Enfermagem do segundo ano do Programa de Adulto Crítico, atuou diretamente no cuidado dos pacientes com covid-19 e, em parceria com enfermeiros da UTI e professores da Escola de Enfermagem da UFRGS, desenvolveu o seu trabalho de conclusão da residência nessa área. Esse era um momento raro e repleto de desafios que ocorria durante sua formação e, portanto, merecia ser retratado em uma pesquisa. Assim, o estudo foi feito com os 150 primeiros pacientes adultos com covid-19 internados na UTI do HCPA com o objetivo de conhecer o seu perfil sociodemográfico e clínico, incluindo os seus diagnósticos e cuidados de Enfermagem.

O estudo concluiu o que talvez hoje já sabemos bem (antes das variantes do vírus, que agora nos trazem outras interrogações). Os mais atingidos são os adultos com baixa escolaridade e acima de 40 anos, com maior prevalência e gravidade nos idosos. As comorbidades também interferem no curso da doença, sendo a Hipertensão arterial sistêmica, a Obesidade e a Diabetes Melittus 2 as mais prevalentes. Além disso, constatou-se que em torno de 70% dos pacientes evoluíram para o uso de ventilação mecânica invasiva nas primeiras 24 horas de internação na UTI, com mais de 30% deles pronados (manobra que coloca o paciente de bruços para melhorar a oxigenação dos pulmões e otimizar o funcionamento dos respiradores mecânicos, o que exige cerca de oito profissionais para executá-la), repercutindo no aumento da carga de trabalho da Enfermagem de forma significativa.

Dentre os diagnósticos de Enfermagem, os três mais prevalentes foram o de Risco de Infecção, Síndrome do déficit do autocuidado e Ventilação espontânea prejudicada, demandando em torno de 73 diferentes tipos de cuidados de Enfermagem na área de segurança física, cuidado corporal, hidratação, eliminação, oxigenação, cuidado vascular e integridade cutâneo-mucosa.

Além desses cuidados para a manutenção da vida, a pandemia impôs a restrição de visitas, mesmo dos parentes mais chegados, o que fez com que a Enfermagem da UTI buscasse recursos de cuidado relacionados à comunicação com essas famílias. Chamadas de vídeo entre o paciente e sua família eram e são realizadas sempre que a condição dele permite. Outras estratégias simples, como o uso de um rádio para tocar músicas e atualizar notícias do que está acontecendo no mundo, têm feito a diferença àqueles pacientes que lutam para sobreviver sob os olhos incansáveis de todos os profissionais de saúde, mas durante todas as 24 horas do dia somente sob o olhar da Enfermagem.

Por isso, Nursing Now and Always! 

Use máscara e álcool gel! Vacina para todos!


Amália de Fátima Lucena é professora associada da Escola de Enfermagem.
Marina Raffin Buffon é especialista em Adulto Crítico e enfermeira da UTI do HCPA.
Isis Marques Severo é doutora em Enfermagem e enfermeira da UTI do HCPA.
Karina de Oliveira Azzolin é professora associada da Escola de Enfermagem.