UFRGS e a Covid-19

Artigo: educação a distância no contexto universitário

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Foto: Gustavo Diehl/ Arquivo Secom.

Escrito por  Crediné Menezes, Daniel Lopes, Mariangela Ziede e Rosane Aragón, professores do Departamento de Estudos Básicos da  Faculdade de Educação

Desde que a situação de isolamento social impôs às pessoas o distanciamento físico, a Educação na modalidade a Distância (EaD) surgiu nos discursos de alguns políticos, gestores e professores como a vacina que seria capaz de reordenar e reorientar as atividades acadêmicas de ensino a sua normalidade. No entanto, assim como a complexidade da situação que envolve uma pandemia e a necessidade de entendimento sobre os modos de atuação de um vírus, a EaD não pode e nem deve ser entendida como uma solução genérica aplicável a qualquer contexto pelo simples fato de terem em comum a imposição do distanciamento físico.

O contexto universitário é diverso, tanto com relação às especificidades da formação de seus respectivos cursos, quanto das pessoas que trabalham e estudam nesse contexto. No que se refere às especificidades dos cursos, seus currículos e arquiteturas pedagógicas têm sido concebidos, em sua grande maioria, na perspectiva da mediação pedagógica para uma sala de aula convencional e, em alguns casos, com materiais colocados em plataformas de apoio – os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA); conceito já obsoleto, mas que ainda congrega algum consenso terminológico. No que diz respeito à diversidade discente, segundo informações da Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas (CAF), a UFRGS tem 14,55% dos seus alunos com perfil de baixa renda, apesar de a assistência estudantil superar esse percentual. Nesse perfil encontram-se alunos e alunas que, por exemplo, dependem da universidade para acessar a internet, contam com as bibliotecas, o Restaurante Universitário, entre outras modalidades de assistência e atendimento. Dessa forma, efetuar a simples transposição dessa modalidade de ensino para essas plataformas online é desconsiderar não só a diversidade das pessoas que fazem parte da universidade, quanto às dificuldades que o contexto social de isolamento tem imposto.

Aliado a isso, a diversidade da própria situação de isolamento das pessoas e das suas condições subjetivas e materiais exige muito mais que tecnologias de “entrega” de conteúdos curriculares. A “aula remota” não pode ser confundida com as diversas possibilidades que envolvem a educação online.  Quem pesquisa e estuda a EaD há mais tempo sabe que o risco da pasteurização dos currículos que compõem as propostas educacionais de base instrucionista sempre ameaçou a qualidade dessa modalidade de ensino. E são esses modelos de curso que enfrentam os mais altos índices de evasão, pois não têm garantido a dialogicidade inerente à mediação pedagógica que caracteriza a formação acadêmica de excelência das Universidades Públicas e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Se não têm garantido em tempos de normalidade social, o que dirá no contexto adverso no qual nos encontramos todos?

Conhecemos diversas experiências exitosas no contexto do ensino superior e da pós-graduação. Mas, no que se refere a uma educação inclusiva e que garanta igualdade de condições a todos e todas os/as estudantes, o distanciamento social é revelador da desigualdade estrutural brasileira. A pesquisa TIC Domicílios, conduzida anualmente pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), a partir de dados de 2018, revelou que 70% dos domicílios pesquisados acessam a internet; destes, 97% têm acesso à internet prioritariamente através do celular, e 56% apenas pelo celular. A mesma pesquisa também mostra que o acesso por computador tem caído bastante e que o uso do celular é mais acentuado entre os mais pobres e entre os que vivem na Zona Rural. Outro dado relevante é que 43% das escolas rurais não têm internet por falta de estrutura.

Considerar que é possível uma EaD prioritariamente através de celulares – basicamente usados para acessar mídias sociais e serviços que não consomem dados dos planos contratados – é desconsiderar que essa modalidade de ensino demanda outras tecnologias, outras didáticas, outras modalidades de mediação e de avaliação que exigem a reconfiguração de espaços e tempos do ensinar e do aprender. As tecnologias digitais, principalmente a internet e suas aplicações (máquinas de busca; computação em nuvem; editores cooperativos; plataformas de vídeos, música, imagem; jogos digitais etc), abriram um novo horizonte para a Educação a Distância trazendo possibilidades para a criação de ecossistemas de aprendizagem que podem estender os cenários atuais de maneiras ricas e diversificadas. Elas oferecem muitas possibilidades para dar conta da distância física e têm oportunizado a docentes e estudantes reinventarem seus espaços de ensinagem e de aprendizagem. Porém o contexto de isolamento tem exigido das pessoas e de suas famílias adaptarem-se a situações diversas e, muitas vezes, adversas, tais como o desemprego e/ou a redução dos vencimentos, o cuidado com os mais idosos e as crianças, a reunião de várias pessoas em casas com poucos cômodos, além de baixa qualidade ou falta de acesso à internet. Por mais expertise e boa vontade que as instituições educacionais tenham, a EaD não é capaz de suplantar o distanciamento social brasileiro fruto da desigualdade de condições de vida, de habitação, de trabalho. Isso antecede à pandemia e está sendo desnudado por ela.

É preciso muito cuidado para que a EaD não acentue, a pretexto de responder pela normalidade educacional em um contexto de anormalidade sanitária global, as diversas modalidades de exclusão social que existem no Brasil. A EaD exige planejamento e invenção, sim, mas uma educação de qualidade, salvo raras exceções, não se sustenta com improvisação. O nome disso é precarização.

Faculdade de Educação UFRGS (Faced): https://www.ufrgs.br/faced/.

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