Estudo revela impactos na vida e na rotina de pacientes com doenças raras durante a pandemia
Pesquisa contou com 1.466 participantes e mostra que a maioria se sentiu ameaçada pela situação de pandemia; 68% sofreu a interrupção de terapias de reabilitação; e 65% deixou de ter acesso ao tratamento que recebia em hospitais ou em casa
Uma pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Genética da UFRGS, por meio do Grupo de Pesquisa Avaliação de Tecnologias de Saúde em Genética Clínica, em parceria com o Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), investigou como a pandemia de novo coronavírus afetou a vida e as rotinas das pessoas com doenças raras ou de seus cuidadores.
Iniciada em junho deste ano, a coleta de dados levou um mês e contou com 1.466 respondentes das cinco regiões do país. Majoritariamente, os pais de pessoas com doenças raras participaram (61%), seguido dos pacientes (33%). O Sudeste foi a região com mais participações, 662 respondentes e, a região Sul a segunda, com 382 participantes.
Os achados da pesquisa revelam que o cenário dos pacientes raros durante a pandemia se modificou. Diferentes aspectos impactaram essa comunidade, uma vez que a maioria seguiu as orientações de distanciamento físico – ficando em casa ou saindo apenas para as atividades essenciais (93,6%) e usando máscara (94%). Quase a totalidade dos participantes se sentiram ameaçados pela situação atual (92%) e 43% se sentiram, frequentemente, isolados ou sozinhos.
Ida Vanessa Doederlein Schwartz, chefe do Serviço de Genética Médica do HCPA e professora do Departamento de Genética da UFRGS, coordena a pesquisa e revela que essa é única pesquisa no Brasil que mapeou o atendimento aos pacientes com doenças raras durante a pandemia. “Nosso objetivo é realmente compreender o que aconteceu com essa comunidade durante a pandemia. Imaginávamos que eles seriam mais vulneráveis e, dando publicidade a essas informações, podemos contribuir com a Política Nacional de Atenção Integrada às Pessoas com Doenças Raras”, diz ela, complementando que essa pesquisa está embasada em uma semelhante realizada na Europa.
A reclusão dessa comunidade também teve impacto negativo em relação aos outros cuidados que os pacientes podem precisar, como de amigos, parentes, vizinhos, etc: 159 (11%) dos participantes fizeram o teste para o SARS-CoV-2 e 17 deles necessitaram de hospitalização. A pesquisa ainda mostrou que 68% dos pacientes sofreu a interrupção de terapias de reabilitação; 65% deixou de ter acesso ao tratamento que recebia em hospitais ou na sua casa (infusões enzimáticas por exemplo); 30% teve que adiar ou cancelar cirurgias/transplantes; e para 20% dos pacientes o medicamento/tratamento para a doença rara não esteve disponível em hospitais ou farmácias durante o período da pandemia.
Esse trabalho se torna ainda mais relevante porque a comunidade de pessoas com doenças raras, sendo mais vulnerável, também sofreu com a reorganização do Sistema de Saúde que passou a dar prioridade ao atendimento de pessoas infectadas pela covid-19. “Essas doenças não têm cura e precisa de um tratamento contínuo, mesmo durante a pandemia”, ressalta Ida.
O estudo aponta que a teleconsulta e o acompanhamento online de pacientes foi uma alternativa durante a pandemia. A metade dos pacientes experimentou alguma forma de telemedicina nesse período. Dentre eles, 80% estiveram em contato com essa ferramenta pela primeira vez; 52% tiveram orientações online sobre o autocuidado em relação à sua doença rara e 35% receberam prescrição via e-mail. Dentre os 738 pacientes que participaram de telemedicina, 77% a considerou como uma boa opção para estar em contato com os profissionais da saúde e 87% a definem – pelo menos – parcialmente resolutiva.
O desenvolvimento da pesquisa
Desde que a covid-19 chegou ao país, o Grupo está envolvido nessa pesquisa que visa entender como essa infecção afetou a comunidade de doenças raras. Ela está sendo desenvolvida em duas grandes etapas:
1. A primeira fase foi finalizada em julho por meio de um preenchimento de questionário online por pacientes ou familiares com doenças raras. Dentre as perguntas respondidas estavam: o seu tratamento foi interrompido durante a pandemia? Você se sentiu ameaçado ou triste pela/durante pandemia?;
2. A segunda fase está em andamento e visa recrutando pessoas com doenças raras que tiveram covid-19. A coleta de dados será online, também por meio de questionário, porém os interessados em participar precisam manifestar disponibilidade pelo e-mail ischwartz@hcpa.edu.br. Serão feitas perguntas sobre o curso e a evolução da doença, se precisou de internação ou respirador.
“Convidamos todos os pacientes com doenças raras que tiveram covid-19 para dar a sua contribuição. São informações importantes porque, em se tratando de doenças raras, talvez algumas dessas pessoas tenham algum fator protetor ou agravante para a covid-19. Conhecendo isso, podemos auxiliar no desenvolvimento de melhores terapias”, salienta Ida. Participe escrevendo para o e-mail ischwartz@hcpa.edu.br.
Além de Ida, outros pesquisadores que atuam na área de doenças raras compõem o estudo, são eles: Carolina Fischinger Moura de Souza, doutora em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS e médica do HCPA; Dévora Natalia Randon, mestre em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS; Natan Monsores de Sá, professor da Universidade de Brasília; Dafne Dain Gandelman Horovitz, médica geneticista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira / Fundação Oswaldo Cruz (RJ); e Decio Brunoni, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).
O que são doenças raras?
Não existe uma definição única para esse tipo de doença. No Brasil, desde 2014, a definição adotada diz que uma doença rara é aquela que afeta, no máximo, 65 pessoas entre 100 mil. Ao agrupar todas as doenças raras existentes, o número de indivíduos acometidos é alto. No país, estima-se que existam entre sete a 13 milhões de pessoas com doenças raras.
Confira a reportagem feita pela equipe de comunicação do HCPA que trata das doenças raras.
Vida que segue: vidas raras
Publicada em 20 de agosto de 2020
No interior do Estado, em plena pandemia, o nascimento de uma criança marcou o início de uma jornada pela vida. O bebê não se alimentava, estava sempre sonolento, sem forças. Os exames realizados com cinco dias de vida em sua cidade natal apresentaram alterações significativas, um quadro preocupante. A chance de recuperação dependia de um centro especializado em doenças raras: o Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
A equipe do Serviço de Genética Médica entrou em ação. Auxiliou a instruir sobre as primeiras medidas de assistência antes mesmo da transferência para o hospital. Em parceria com a equipe da professora Luciana Friedrisch, do Serviço de Neonatologia, a médica Carolina Moura de Souza e a residente Elaine Miglorini, iniciaram os atendimentos e solicitaram exames específicos, que graças aos laboratórios da Unidade de Genética Laboratorial, ficaram prontos em algumas horas. Com a experiência dos profissionais, em menos de um dia após a internação, foi diagnosticada uma doença rara, chamada Acidemia Propiônica. “O tratamento rápido salvou a paciente, minimizou danos neurológicos e mudará para sempre a vida dessa criança”, explica Carolina. A chefe do Serviço de Genética Médica, professora Ida Schwartz, complementa, “felizmente, tudo foi feito a tempo e a criança encontra-se bem”.
Foram 25 dias no HCPA, muitos profissionais envolvidos e esforços somados, e a família finalmente pôde ir pra casa e seguir com uma vida rara, que necessita de cuidados, mas é plena!
A série’ Vida que segue: boas notícias além da covid-19’ mostra ações positivas que acontecem no HCPA mesmo durante a pandemia.