Pesquisa em Crianças e Adolescentes


Pesquisa em Crianças e Adolescentes/Goldim

Prof. José Roberto Goldim


Existem muitos registros da utilização de crianças em investigações científicas. O teste da vacina para a varíola humana, realizado por Edward Jenner, em 1768, foi realizado no menino James Phipps. Ele foi inoculado com material proveniente de uma ordenhadeira de leite, Sarah Nelmes, que tinha a varíola bovina. Meses após foi inoculado, por duas vezes, com varíola humana não desenvolvendo a doença. Em 1885, Louis Pasteur testou a sua vacina antirrábica no menino Joseph Meister. Em 1891, Carl Janson, da Suécia, informou que suas pesquisas sobre varíola estavam sendo realizadas em 14 crianças órfãs, apesar de o modelo ideal serem bezerros. Esta escolha teve de ser feita, com a "gentil" concordância do médico encarregado do orfanato, devido ao fato dos "bezerros serem muito caros". Esta declaração causou grande impacto, gerando indignação em vários países.

A discussão sobre maus tratos familiares em crianças fez com que fosse criada a Sociedade de Prevenção de Crueldade em Crianças de Nova Iorque, por Henry Bergh em 1874. Esta Sociedade teve origem na Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade em Animais, existente desde 1866. Vale lembrar que cinquenta anos antes, em 1824, já tinha surgido a primeira Sociedade para Prevenção de Crueldade com os Animais, na Inglaterra. Foram necessários mais alguns anos para que a questão da participação das crianças e adolescentes em projetos de pesquisa fosse objeto de alguma forma de regulamentação.

O senador Jacob H. Gallinger, em 02 de março de 1900, propôs ao Senado Norte-Americano uma Lei para regulamentar os Experimentos Científicos em Seres Humanos no Distrito de Colúmbia. Nesta Lei, não aprovada, constava a proibição da participação em pesquisas de pessoas com menos de 20 anos de idade.

Na Prússia, em 1901, foi aprovada a primeira norma neste sentido. Era uma Instrução do Diretor das Clínicas e Policlínicas sobre intervenções médicas com objetivos outros que não diagnóstico, terapêutica ou imunização. Neste texto, a pesquisa em crianças foi explicitamente proibida.

Na Alemanha, em 1931, foi publicada a primeira lei nacional que regulava atividades de pesquisas em seres humanos. Este documento propôs especial atenção quanto ao uso de novas terapêuticas em menores. Especificamente com relação à participação de menores em pesquisas, a lei não permitia caso houvesse risco associado.

O Código de Nuremberg, de 1947, o seu artigo primeiro estabelecia a condição essencial para a a realização de pesquisas em seres humanos: O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento(...) Mais uma vez, as crianças e os adolescentes foram excluídos, justamente pela sua incapacidade legal.

A Declaração de Helsinki, proposta em 1964 e revista pela última vez em 1989, abriu a possibilidade da participação de menores de idade em projetos de pesquisa em saúde, desde que haja o consentimento de seu responsável legal.

As Normas de Pesquisa em Saúde (Resolução 01/88), do Conselho Nacional de Saúde, que vigoraram até outubro de 1996, estabeleciam, em seu artigo 26, que "quando existirem condições de compreensão deve-se também obter o consentimento dos indivíduos (menores de 18 anos)" além do consentimento do seu representante legal.

As Diretrizes Internacionais do CIOMS, de 1993, tem um item específico para a pesquisa em crianças. Da Diretriz 5, podemos destacar três itens:

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), do Ministério da Justiça, através da Resolução 041/95, estabeleceu, em outubro de 1995, os Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados. O artigo 12 deste documento estabelece: A Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que atualmente regula a pesquisa em seres humanos no Brasil, estabelece que as crianças e adolescentes tem apenas o direito de serem informados, "no limite de sua capacidade", sem que possam participar no processo de consentimento propriamente dito. O consentimento para a participação destas crianças e adolescentes deve ser dado por seus representantes legais.

Em 1997, através da Resolução 251/97, o Conselho Nacional de Saúde estabeleceu normas específicas para a pesquisa em farmacologia, vacinas e novas substâncias. No item VI.I.q deste documento, as crianças e adolescentes passaram a poder participar mais ativamente do processo de consentimento informado, na medida de sua capacidade.

Em outubro de 2008, a CONEP autorizou um grupo de pesquisadores a realizar um ensaio clínico na área de contracepção pós-aborto envolvendo adolescentes apenas cm o seu consentimento, dispensando a autorização por representação de seus pais. Esta nova possibilidade de realização de pesquisas em adolescentes, apenas com o seu consentimento em uma área temática especial pode ser considerada como um avanço no reconhecimento da capacidade dos adolescentes poderem opinar sobre as suas preferências pessoais de forma autônoma.

 A participação ativa no processo de consentimento informado tem sido uma das questões mais controversas na ética aplicada à pesquisa em crianças e adolescentes. O importante é reconhecer que as crianças e adolescentes tem dignidade, independentemente da idade, do grau de capacidade ou do grau de autonomia.



Vieira S. Hossne WS. Experimentação em Seres Humanos. São Paulo: Moderna, 1987:12-13.
Lederer SE. Subjected to Science. Baltimore: Johns Hopkins, 1997:25-50,142-6.

Ferreira ALCG, Souza AI de. Aspectos éticos na pesquisa com adolescentes. Bioética. 2012;20(1):56–9.


Consentimento Informado em Crianças e Adolescentes
Material de Apoio - Textos
Página de Abertura - Bioética

Texto atualizado em 24/01/98
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