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EDITORIAL | Au revoir, Brasil

Na última quarta-feira (28), o Itamaraty liberou nota declarando a desistência do Brasil de sediar a próxima COP 25 (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas), que acontece em 2019. De acordo com o ministério das Relações Exteriores, as restrições orçamentárias e a transição de governo foram as principais causas da decisão.

Em uma conferência de imprensa no mesmo dia, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), negou as afirmações do futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e afirmou estar envolvido na escolha do Itamaraty pelo cancelamento da conferência ambiental. Anteriormente, em setembro, Bolsonaro já havia declarado a possibilidade de retirada do Brasil do Acordo de Paris.

Tanto a COP 25, quanto o Acordo de Paris, são plataformas para discutir mudanças climáticas mundiais, reuniões que significam esforços para trabalhar na melhora das condições do clima; interações que influenciam todas as nações, mas em especial aquelas em desenvolvimento. O Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países, foi o primeiro tratado a reunir praticamente todos os países em compromissos que impeçam o aumento do aquecimento global.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, 61% do território brasileiro corresponde a florestas naturais. A floresta Amazônica é considerada a maior floresta tropical do mundo, e representa mais da metade das florestas tropicais existentes no planeta Terra. As decisões de Bolsonaro não representam apenas um descaso com o meio ambiente de seu país, mas também um profundo desconhecimento do impacto das mesmas na imagem internacional do Brasil, já danificada por declarações suas e de seu filho mais velho, Eduardo Bolsonaro, em relação à temas como a diplomacia internacional e o comércio exterior.

Porém, este posicionamento não pode ser interpretado apenas como uma de suas declarações polêmicas. Deve ser visto pelo que implica – um alinhamento com as decisões de um outro presidente das Américas, que Bolsonaro admite inclusive admirar. No ano passado, o republicano Donald Trump declarou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Jair Bolsonaro claramente segue seus passos.

A escolha de ministérios do futuro presidente indica concordar com isso. Ernesto Araújo, selecionado para o cargo de Ministro das Relações Exteriores – por indicação de Olavo de Carvalho, conselheiro extraoficial de Bolsonaro -, declarou recentemente que “o céu é o limite para as relações entre o Brasil e os EUA”. Em nota similar, Araújo já escreveu artigos em seu blog relacionando o aquecimento global a uma “invenção marxista”.

O resultado desta admiração, contudo, pode ser desastroso. Ambientalistas especulam que os danos da política ambiental de Trump podem ser irreversíveis para o planeta. Estima-se que suas ações possam causar um adicional de 80 mil mortes nas próximas duas décadas, por razões relacionadas à saúde.

O aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Terra, causada principalmente pelas emissões de carbono, é uma das maiores preocupações discutidas nos acordos ambientais. O aumento de meros 2ºC na crosta resulta em inundações, erosão e salinização das águas subterrâneas, o que implica em menos acesso à água potável. Se nada for feito para limitar esse avanço, o derretimento das geleiras causará a elevação média do mar de 72 centímetros até 2100.

O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) afirma que, tecnicamente, é possível manter o aquecimento abaixo de 1,5º C, mas isso requer uma transformação intensa – e rápida – na economia global, o que implicaria em um custo de trilhões de dólares até 2050. Quanto mais otimista for a situação, mais as ilhas do Pacífico,  o delta do Ganges, ou as cidades costeiras, terão tempo para construção de barreiras, ou evacuação de populações. Porém, para os recifes de corais na costa brasileira, a diferença não bastará: a previsão é que até 90% deles sejam dizimados se a temperatura aumentar apenas 1,5ºC.

Ainda há tempo de evitar o au revoir (adeus, em português) – pelo menos em relação ao Acordo de Paris. Jair Bolsonaro precisa deixar sua idolatria pelos estadunidenses de lado e agir de acordo com o que sua ementa de governo prega em todas as páginas: Brasil acima de tudo.

FOTO DE CAPA: Roberto Stuckert Filho-PR / Agência Brasil

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