Prof. Dr. Tiago Degani Veit (ICBS-UFRGS)
Sente-se seguro ao entrar no
shopping porque mediram a temperatura (no pulso!) dos frequentadores? Aliviado
porque no restaurante em que você entrou para comer (que não tinha nenhuma
janela aberta e com ar-condicionado a mil) não tinha ninguém tossindo ou espirrando?
Repense. [TV1] [TV2] Um
novo artigo publicado na conceituada revista científica JAMA (Journal of the
American Medical Association) concluiu que ao menos metade das infecções
por SARS-Cov-2 são causadas pela transmissão do vírus por indivíduos assintomáticos.
Esses indivíduos assintomáticos podem ser tanto “pré-sintomáticos” (que estão
infectados, mas cujos sintomas ainda não se manifestaram) ou indivíduos com
infecção assintomática, que não desenvolvem sintomas ao longo da infecção (chamados
no artigo de “nunca sintomáticos”).
Muito cedo na pandemia descobriu-se que indivíduos infectados tornavam-se infectantes antes de apresentarem sintomas. Além disso, vários estudos apontaram que uma parcela significativa de infectados não apresentava quaisquer sintomas ao longo da infecção, ou apresentavam sintomas muito leves e quase irreconhecíveis. Dados laboratoriais e epidemiológicos sugeriram que esses indivíduos assintomáticos poderiam e podem transmitir o vírus com a mesma facilidade que os indivíduos sintomáticos. Sabemos de tudo isso atualmente, mas, até recentemente, não havia uma estimativa da proporção de infecções que poderiam ser causadas por esses indivíduos.
O grupo de pesquisadores do CDC (Centers
for Disease Control and Prevention, órgão governamental responsável pelo
controle da pandemia nos EUA) elaborou um modelo matemático simples para
avaliar a proporção de infecções causadas por indivíduos assintomáticos. Esse
modelo matemático levou em conta diversos parâmetros ou fatores que foram sendo
estimados por dezenas de estudos epidemiológicos ao longo de 2020, tais como tempo
de incubação do vírus, tempo de infectividade do indivíduo, proporção de
assintomáticos, infectividade relativa dos assintomáticos em relação aos
sintomáticos, entre outros.
Os autores partiram dos
pressupostos de que 30% dos indivíduos com infecção nunca desenvolvem sintomas
e que esses indivíduos apresentam 75% da infecciosidade daqueles que desenvolvem
sintomas. Combinados, esses pressupostos básicos implicam que 59% de toda a
transmissão teria vindo de transmissão assintomática, compreendendo 35% de
indivíduos pré-sintomáticos e 24% de indivíduos nunca sintomáticos.
Como os pressupostos usados para
calcular a percentagem de infecções causadas por assintomáticos possuem um grau
de incerteza associada (por
exemplo, a proporção de assintomáticos real é estimada em 30%, mas pode ser um
pouco maior ou um pouco menor), [TV3] [TV4] os
autores modelaram vários cenários diferentes, variando todos os pressupostos
iniciais para o cálculo da equação. Mesmo assim, a grande maioria dos modelos
apontou que ao menos metade dos casos de COVID-19 seria causada por
transmissão de indivíduos assintomáticos.
Essas observações têm um grande impacto na adoção de medidas de contenção da pandemia. Em uma pandemia em que a transmissão do vírus se dá predominantemente por assintomáticos, é até risível achar que a aferição da temperatura das pessoas na porta de estabelecimentos esteja tendo um impacto significativo. Tal protocolo cumpre mais a função de performar uma medida profilática, detectando apenas indivíduos (muito) sintomáticos. Indivíduos infectados e assintomáticos passam todos os dias por esses controles e transmitem o vírus nestes ambientes. Assim, é ilusório sentir-se seguro em qualquer ambiente público em que haja outras pessoas, ainda mais se o ambiente for fechado, e mais ainda se há pessoas sem máscara. Mesmo se você já teve COVID-19. O surgimento de variantes novas do vírus, algumas delas ainda mais transmissíveis que as do início da pandemia, colocam todos, curados e não infectados, como possíveis alvos de (re)infecção.
O corolário dos resultados desse estudo é: ambientes públicos fechados sem janelas abertas, com pouca renovação NATURAL de ar, devem (continuar a) ser evitados, especialmente aqueles em que as pessoas precisam tirar a máscara, como restaurantes. Torna-se obrigatório, no mínimo, o uso constante de máscaras em ambientes públicos, e mais ainda em ambientes fechados, como uma forma de proteção de si mesmo e dos outros, assim como a higienização das mãos. Em um país que não adota nenhuma medida de testagem ostensiva da população, e em que os estabelecimentos comerciais permanecem abertos a despeito da alta lotação das UTIs, faz-se ainda mais necessário observar as situações de risco acima citadas para evitar a infecção até que a vacinação em massa mude o panorama da pandemia.
Link para o artigo: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2774707