Mateus Colombo – Graduando em Biotecnologia UFRGS
Dra. Patricia Valente – Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia UFRGS
No mês de Maio foi publicado um estudo na revista Geology sobre a descoberta de organismos encontrados no interior de rochas de halita, um tipo de rocha salina, de 830 milhões de anos de idade.
A halita é uma rocha composta por cloreto de sódio que, conforme se formou há milhões de anos e por estar em contato com águas superficiais salinas, aprisionou pequenas bolhas de fluídos, como água, ar e, possivelmente, microrganismos, em seu interior.
O grupo de pesquisa americano investigou o conteúdo dessas “bolhas” dentro de halita encontrada na Formação Browne, localizada na Austrália, com o objetivo de encontrar qualquer microrganismo que pudesse ser detectado com técnicas ópticas sem causar danos às rochas, preservando seu conteúdo para futuros estudos. A formação Browne é uma unidade estratigráfica bem caracterizada, datando do período Neoproterozóico (541 a 1000 milhões de anos), e inclui material rochoso de antigos ambientes marinhos.
O trabalho incluiu observações de 10 leitos de halita em profundidades entre 1480 m e 1520 m, perfuradas em 1997 pelo Geological Survey of Western Australia. Cada amostra foi cortada com uma espessura de 1 a 2 mm e, em seguida, examinada opticamente. Foi usada luz transmitida para descrever o tamanho, a forma e a cor de líquidos, gases, minerais e matéria orgânica suspeita. Também utilizou-se luz de polarização cruzada para distinguir minerais e luz ultravioleta visível (UV-vis) para testar a resposta fluorescente de quaisquer microrganismos suspeitos e/ou compostos orgânicos que confirmariam a presença de matéria orgânica.
Os pesquisadores observaram líquidos e sólidos orgânicos, consistentes com possíveis células procarióticas e eucarióticas, bem como compostos orgânicos suspeitos. Diz-se “suspeito” para os compostos orgânicos porque não foi possível identificar completamente sua composição apenas pela sua aparência óptica e resposta fluorescente à luz UV-vis.
Dentre os procariontes encontrados estão os cocos, em forma de pequenas esferas, que são consistentes em tamanho, forma e aparência óptica com alguns procariontes (bactérias e/ou archaea). No entanto, não se pode descartar que sejam esporos de bactérias ou fungos. As células eucarióticas, provavelmente são de algas e/ou fungos. Os compostos orgânicos suspeitos nos fluidos do interior das rochas consistem em líquidos ou sólidos sem forma determinada.
Existe uma grande variedade de microrganismos e compostos orgânicos dentro e entre as bandas de crescimento individuais em cristais únicos, bem como entre cristais de halita de diferentes profundidades. Vários dos cristais usados neste estudo têm uma concentração excepcionalmente alta de microrganismos e compostos orgânicos suspeitos em seu interior.
Algumas questões ainda ficaram para ser respondidas, como: Os microrganismos da halita da Formação Browne estão vivos?
Alguns microrganismos encontrados em rochas de sal, como algumas espécies de algas, encolhem e reduzem bastante a atividade biológica quando as águas se tornam muito salinas; essas células de algas podem ser revividas durante eventos posteriores de inundação. Além disso, os microrganismos podem sobreviver dentro dessas “bolhas” por meio de alterações metabólicas, incluindo sobrevivência à estarvação, encistamento e coexistência com compostos orgânicos ou células mortas que podem servir como fontes de nutrientes. Portanto, é plausível que existam microrganismos vivos da Formação Browne que foram aprisionados desde que a halita precipitou há 830 milhões de anos.
Outro ponto interessante sobre esse estudo é que o tipo de rocha analisado possui composição similar a algumas rochas marcianas, isso porque ambas contêm um conjunto parecido de minerais, estruturas e características de modificação ao longo do tempo.
Marte já continha lagos salinos que precipitavam sedimentos químicos, incluindo halita. Microrganismos que podem ter existido em salmouras de superfície em Marte no passado podem estar presos como microfósseis em rochas sedimentares químicas.
Essa pesquisa mostra como tais organismos podem ser identificados sem destruir ou romper as amostras, o que poderia nos dar um novo conjunto de ferramentas para identificá-los.
Ademais, esse trabalho pode ajudar a responder a diversas perguntas. Com essas informações, podemos melhor entender como era a vida na terra há milhões de anos e assim tentar explicar como chegamos aqui, há quanto tempo existe vida na terra, quais eram as formas primitivas de vida, entre outras questões, contribuindo para uma melhor compreensão da nossa história, do planeta Terra e também de outros planetas, como Marte, por exemplo.
E você, acredita que esses microrganismos podem estar vivos?
Referência:
Schreder-Gomes, S.I., Benison, K.C., and Bernau, J.A., 2022, 830-million-year-old microorganisms in primary fluid inclusions in halite: Geology, v. XX, p. XXX–XXX, https://doi.org/10.1130/G49957.1